Muitas pessoas não precisam ser católicas para admirarem anjos – as figuras assexuadas e com um par de asas que povoam as páginas do Antigo Testamento. Alma é uma estudante paulistana de história da arte fascinada por esses seres fantásticos desde sua infância. Durante um momento de puro devaneio (ou por intervenção do destino?) Alma dirige até o bairro de Paraísopolis (descrito como o inferno na terra, ironicamente) e seu carro enguiça para logo em seguida ela ser estuprada por diversos sujeitos (não descritos). Assim ela perde sua alma de anjo e seu espaço no paraíso. Alma se junta a Almut, sua amiga de infância, numa viagem até a Austrália (um sonho idealizado pelas duas desde jovens), onde, talvez, ela possa encontrar o paraíso que perdeu.

As duas brasileiras tentam sobreviver na Austrália como massagistas e lavadoras de pratos. Em meio essa viagem ao paraíso idealizado, Alma encontra um artista de origem aborígene que ela crê ser um anjo disfarçado, tanto pela sua arte quanto pelo silêncio que este carrega para todo lado.

Todavia, é numa peça de teatral interativa em um festival que Alma realiza seu maior sonho, tornar-se anjo. Ela deve ficar escondida – imóvel – dentro de um armário para que os espectadores acreditem em sua divindade.

E assim eu virei anjo. Não foi difícil. A diretora logo me escolheu.

Não obstante, ainda nos é levantado o ponto se existe o sexo entre os anjos. Alma acha que encontrou um anjo com quem pode se aventurar nos campos da luxúria. Nesse ponto encontramos os falsos anjos que vieram apenas para arrancar nossa inocência. Mas isso já não tinha acontecido no estupro? Não. Anjos e demônios são seres diferentes, mesmo um falso anjo não chega a ser um demônio. Tão pouco a maldade pode ser absolvida por completo. Seja pelo castigo de Deus ou pelos desencontros da vida.

Não por acaso o prólogo do livro é narrado em primeira pessoa masculina, alguém que descreve um avião, revistas e as pessoas que perambulam pelos corredores. Ele, o narrador, se mostra curioso ao ver uma menina entrar no avião com um livro na mão. Curioso, tenta desvendar o que ela lê. Quando formula meia dúzia de palavras para tentar uma aproximação, na esteira das bagagens, o tal narrador perde a menina de vista e fica ao relento. O narrador do avião é Eric Zondag, um crítico literário e alcoólatra, que vai até a Suíça, convencido por sua namorada, ninfeta e angelical, chamada Anja (sim, eles estão em todos os lugares) a se internar.

Eric encontra um anjo, durante uma viagem até a Austrália, que não consegue esquecer. Esse anjo é Alma e ela é sua nova massagista. Desse encontro em diante os dois discutem e tentam reaver tudo que os aconteceu desde aquele choque, onde ela era a criatura de Deus, sem sexo, alada, intocável, mas também era a mesma garota do avião que escondia o título do livro que estava lendo.

O cruzamento dessas duas narrativas é essencial, e a partir daí Cees Nooteboom irá nos presentear com duas vozes, dois anseios e duas pessoas procurando redenção – tentando encontrar o paraíso perdido. Uma verdadeira queda livre na metalinguagem de Nooteboom; entre pensamentos e sonhos, e entre concretizá-los e esquecê-los. É difícil para Alma aceitar que nunca voltará aos céus, mas e quem poderá? Um trecho do poema de John Milton abre o primeiro capítulo, revelando a expulsão de Adão e Eva do paraíso, e ao final temos outro trecho do poema revelando que o paraíso não está mais lá para eles. E é disso que se trata essa obra: dois seres expulsos do paraíso, vagando pela terra tentando encontrar seu par, seja ele anjo ou humano.