Amar não é simples. Os românticos querem que acreditemos que é, mas não é. Pode ser para quem consegue ignorar as mil coisas que poderiam dar errado em um relacionamento, mas temos que admitir que, hoje, todo mundo é noiado com tudo e pensa demais.

Pessoas normais, de Sally Rooney (Companhia das Letras, tradução de Débora Landsberg), é um romance que mostra isso muito bem (para quem conseguiu ler nas entrelinhas – e muita gente não conseguiu). Marianne e Connell são pessoas diferentes que habitam o mesmo lugar e possuem cada um as suas nóias: ela, por ser a rica CDF desprezada por todos ao seu redor; ele, por se sentir validado apenas por meio da aprovação alheia. Por isso, o relacionamento dos dois é conturbado no início. Os millennials, como os protagonistas, como eu, não são os românticos que largam tudo para ficar com o outro, ignorando todas as suas inseguranças e ressalvas. Há mil fatores envolvidos.

Explicando melhor o enredo, Marianne e Connell vivem em uma cidade do interior da Irlanda e se aproximam porque a mãe dele trabalha como faxineira na casa dela. Ele é o retrato do “cara popular”, cercado de amigos por todos os lados. Ela é extremamente solitária, sem amizades e com uma relação difícil com a mãe e o irmão mais velho. Quando começam a se envolver, ambos escondem de todos que essa relação existe, fingem que nem se conhecem. A partir daí, Rooney apresenta o vaivém desse relacionamento ao longo dos anos, com todos os seus desencontros e reencontros.

Para eles, a relação não é simples por conta do medo. Há o medo do julgamento, o medo da traição, o medo de não ser bom para o outro e, principalmente, o medo do auto-engano. Porque a gente se sente bem idiota quando percebe que idealizou demais o outro ou a relação. E a gente sabe que criar expectativas baseadas apenas nos nossos desejos é a principal receita para sair machucado no final. Mas quando o assunto é amor, agimos de modo irracional, deixamos a cabeça se afundar em fantasias e não percebemos com clareza a realidade do que está acontecendo. Evitar fantasiar é exercitar o pessimismo de que tudo dará errado e de que é melhor nem tentar.

Marianne e Connell vivem se digladiando com suas expectativas frustradas e com o que não conseguem dizer um para o outro, o que gera muitos ruídos na relação. Ele tem medo de ser julgado e não se sente parte do mundo de Marianne. Ela tem os traumas familiares que, a partir de certo ponto, ficam bem evidentes no livro. Rooney tem uma narrativa direta, sem grandes arroubos de consciência e feita numa linguagem neutra, mas que deixa subtendido todas essas questões dos protagonistas. Eles até querem se jogar no amor, mas não conseguem.

Pedir que sejamos românticos incondicionais é pedir que ignoremos esses medos e traumas de forma mágica, o que não acontece. Porque amar é complexo, muito complexo. Tratar como algo simples, como os românticos gostam de fazer, é fantasiar. Não é amor, é empolgação.

Pessoas normais é um bom romance por dizer tudo isso nas entrelinhas. Marianne e Connell são jovens, e jovens são meio tapados quando se trata de sentimentos mesmo. E não deixamos de ser meio tapados depois que envelhecemos. Mas o relacionamento deles é um retrato dessa complexidade que é amar alguém e se deixar ser vulnerável perto dessa pessoa. E isso não é fácil, não mesmo.

*A foto é uma das imagens divulgadas da adaptação de Pessoas normais para uma série de TV, que deve estrear em 2020.