Comecei a refletir sobre os apelidos e suas confusões durante a leitura de Sobre os ossos dos mortos, de Olga Tokarczuk (laureada pelo Nobel de Literatura com um ano de atraso), do qual falarei em breve por aqui (assim espero, não prometo nada). Na abertura do romance, fui apresentado a dois personagens: Pé Grande e Esquisito. Estranhei esses “nomes”, pois pareciam as famigeradas traduções de nomes que acontecem na literatura há tempos: Harry Tiago (James) Potter, Sam Pacolé (Samwise Gamgee), etc.

O primeiro capítulo, quase que inteiro, de Sobre os ossos dos mortos consta apenas os dois personagens nomeados, até que, num dado momento, a personagem principal encontra os documentos de Pé Grande e fala de seu nome, além de estranhar a grafia dele. Passada essa estranheza, a protagonista desenrola a explicação de como surgiram os dois apelidos e como ela mesma adora chamar as pessoas de acordo com as características delas. Também se diz uma especialista em dar nome às pessoas e animais. Entre as páginas da primeira parte, ela batiza uma cadela de Mariazinha e o dono, que lhe tinha dado outro nome, aceita-o de bom grado. Não era questão de tradução, mas valeu o insight.

Pips. É assim que eu sou apresentado por grande parte dos meus amigos e, o que pode parecer estranho para algumas pessoas, como profissional. Sim, seria quase o meu nome artístico, equivalente ao da Xuxa (e até pesquisei sobre como incorporá-lo a documentos oficiais). Inclusive, sempre que começo em um emprego novo, tento ao máximo ser chamado dessa forma. É a que eu consigo prestar atenção mais rápido do que Fê ou Felippe. Nas empresas que passei, grande parte delas me deixava ter o e-mail corporativo com o apelido para facilitar a troca de mensagens.

Pips é um derivativo – ou seria diminutivo? – do meu nome Felippe, que em tempos remotos começou como Felipipi, Felipips, até chegar em Pips. É claro que no começo era uma eterna zoeira porque eu sempre enfatizava nos dois P’s a grafia correta da minha graça. Sem contar as variações de Piposo, Piposa, Peps, Pops e por aí vai.

(Muitos anos depois. eu conheci uma Pips, amiga de um amigo, lá do Rio de Janeiro. Bom, isso foi apenas uma anedota sem sentido.)

Nem sempre foi assim, é claro, e, como muitos apelidos, começou com uma simples chacota e foi ficando usual, assim como aqueles casais em início de relacionamento que começam a se tratar como “amor” de maneira irônica e isso se torna recorrente. Dentre as várias alcunhas carregadas nessa vida, eu já tive: Sabesp, porque a minha cabeça era do tamanho de uma caixa d’água, e todos chegaram a essa conclusão durante um jogo de bobinho em que eu dominava a bola melhor com a cabeça do que com os pés; Vacaláctica, alguém lembra desse desenho da MTV?; Mullets, graças aos gloriosos tempos de headbanger, quando o comprimento do cabelo não permitia que fosse amarrado, e sobravam os tufos cobrindo o pescoço (há culpa de Marcos Mion nessa popularização à época); até se solidificar como Pips.

Uma das coisas mais irônicas sobre apelidos é como eles ganham proporções em que algumas pessoas, digamos conhecidos de segundo e terceiro grau, não sabem qual é o seu nome verdadeiro. Durante os jogos na época do colégio (ainda falamos colégio ou usamos High School no Brasil?), quando eu recebia um cartão amarelo, todo mundo gritava: “É do Mullets”. “Tá, mas qual o nome dele?” Apesar de saber a origem do meu, certos apelidos da minha família eu nunca entendi: Zé era como meu pai, Rogério, era chamado pelos amigos; Jacaré ou Bebé era como meu avô, Osvaldo, era conhecido por todo mundo.

Os apelidos automáticos em São Paulo, que nada mais são do que as primeiras sílabas dos nomes das pessoas: Pá, Cá, Dá, Thi, Gi, Ju, Fê, etc. Não sei se é exclusivo de São Paulo, mas vejo muitas pessoas citando como algo muito característico daqui. Até virou uma piada recorrente no Twitter – pelo menos entre as pessoas que sigo – de tirar sarro desses diminutivos para falar sobre encontrar amigos.

O ultimato da minha curiosidade por apelidos e diminutivos veio durante uma conversa no grupo do Posfácio, no qual um dos nossos colaboradores perguntou, de maneira autêntica, se em São Paulo usávamos mano e mana para falar dos nossos irmãos de sangue. Eu nunca chamei meus irmãos por apelido ou diminutivo, sempre usei “irmão” e “irmã” quase como cognome: Stella, a irmã. “Mano”, no meu vocabulário paulista, equivale a uma interjeição, enquanto “mana” é como eu chamo carinhosamente meus amigos gays – na verdade, virou mania de chamar todos do grupo assim.

É uma pegadinha, com certeza, chamar amigos próximos de “mana” e “amiga” em um grupo fechado, mas talvez não seja bem visto fora deste círculo. Apelidos podem ser traiçoeiros dependendo do ambiente – ou da rede social. A cautela, neste ponto, pode ser tanto para outras pessoas que ouvem e se sintam ofendidas, até você descobrir que o seu amigo não gosta tanto da alcunha dada a ele.

Por muito tempo, um amigo meu não gostava do apelido Bocão, pois exaltava um traço que ele não gostava em si mesmo – inclusive, a mãe dele por muito tempo não aceitava esse chamamento. Isso era na minha infância e adolescência, na qual não calculávamos o prejuízo de um apelido em uma pessoa. Muitas vezes relembro de que grande parte dos meus apelidos de infância e adolescência me incomodava muito, sendo que muitos deles eram uma piada interna para os que me batizavam. Era necessário saber o contexto para, no mínimo, entender a referência – o que não feria outras pessoas, mas não deixava claro o porquê daquele apelido. Eram nomes dados na minha cara ou na dos meus amigos, mas e aqueles apelidos dados pelas costas? Eu nunca descobri nenhum para mim, e não sei se me agradaria em certo ponto saber que sou chamado de alguma forma ruim.

Pé Grande, Esquisito, Tetão, Montanha, Sapatão, Fancha, Chulé, Bocão, Rasga-cu, Trepadeira… No final, apelidar alguém pode ajudar a lembrar da pessoa, mas lembrá-la de algo que ela não quer ressaltar ou ser rotulada.