Por Luiza Casanova (*)

Se não fosse o que eu vi depois e também o fato de ser como foi, talvez eu tivesse achado a cena até um pouco pornográfica, eu teria usado ela a meu favor, eu teria pensado que eu poderia estar sentado ali, pensando o que fosse. E se não fosse alguém (que pode muito bem ser eu) ter escolhido uma galeria de arte para isso. Isso porque alguém ainda deve ter uma vaga ideia daquela imagem de duas pessoas sentadas lado a lado, olhando pra frente e só pra frente até que alguém diga que essa roupa fica muito bem em você, numa espécie de último encontro encarando uma parede.

Mas a cena começa antes e eu tinha marcado um encontro que muito bem poderia ser em qualquer lugar. Poderia ser um supermercado, uma rede dessas grandes, eu caminho por todos os corredores e olho pra frente, porque eu sei muito bem a ordem das coisas dispostas repetidamente nas prateleiras. Uma grande quantidade da mesma coisa ao lado de uma grande quantidade de outra coisa quase igual e depois a sequência de coisas parecidas. O degradê da escala das coisas e não das cores. Eu caminharia e sorriria muitas vezes de tudo o que fosse dito, eu empurraria o carrinho como se fosse com um bebê. Nessas horas eu consigo fingir uma calma qualquer, e com perfeição eu faria o itinerário até o fim, e só no fim o impensável.

Eu sentei no banco comprido de madeira encerada, marrom claro, logo na entrada. Foi logo na entrada, o lugar onde fica quem espera por alguém, e foi ali mesmo que, depois de uns já vinte minutos de atraso e de eu verificar a hora ou alguma mensagem deixada pra trás, que elas duas chegaram, vestidas de amarelo, uma espécie de macacão de construção civil, mas com um elástico na cintura e alguma coisa escrita abaixo da gola, era uma palavra só.  Elas ficaram as duas paradas, uma de frente pra outra. Eu olhei pros lados, eu procurei algum som, talvez. Elas ficaram paradas ali alguns longos minutos, e eu fiquei com medo de pegar o celular e eu também não podia sair, eu estava ali esperando.

Agora eu já cogito que pode muito bem alguém ter parado um pouco atrás de mim e me chamado pelo nome, Antero, e de novo, Antero, a voz já um pouco preocupada, e eu ali. Isso tudo porque em algum momento as duas mulheres se distanciaram um passo uma da outra, mais ou menos, e a que estava na direita deu o primeiro tapa no rosto da que estava em frente. O primeiro, eu disse, porque houve muitos outros depois. Uns faziam mais barulho e a que sentia o rosto estava ali e na maioria das vezes ela nem fechou os olhos.

Acontece que nenhum compromisso fora desmarcado, e seu último (ou quase ele) encontro não chegou a acontecer. No primeiro tapa pode ser que os dedos ainda estivessem com uma sensação gelada, o ar condicionado nesses lugares ajuda, mas depois eu não sei mais e o lado do rosto que levava os tapas era o que eu não via. Eu saí em algum momento, talvez no meio do décimo sétimo tapa, que a essa altura já deixava rastro até na pele perto da boca. Não tinha ninguém muito perto de mim, a luz muito branca se transformou em um sol que eu senti forte e no cigarro que eu teria fumado, caso não fosse o encontro uma encenação.

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*Luiza Casanova é graduada em Letras/Português e literaturas pela Universidade Federal de Santa Maria e mestre em estudos literários pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da mesma universidade. Fez parte da turma de 2018 da oficina de criação literária coordenada por Assis Brasil na PUC-RS. É professora de literatura para Ensino Médio e pré-vestibular em Santa Maria – RS.