Vladimir Nabokov é mais conhecido pelo livro Lolita, principalmente por conta da temática nada convencional e por falar de um tema que, no mínimo, suscita escândalos vários. Por mais que não haja forma de deixar de lado essas questões, há também que se levar em consideração que sua temática não foi o único elemento que lhe garantiu o lugar no cânone universal, mas também um apuro de estilo e preciosismo de linguagem que podem ser comparados ao ofício de ourives. A defesa Lujin é um livro em que essa característica pode ser notada e percebida em seu amadurecimento.

O livro foi publicado em 1930 (ainda na chamada “fase russa” de Nabokov) e conta a história de Luzhin, um garoto retraído que após incursões de sociabilidade frustradas, descobre no xadrez uma paixão a qual se dedica com todas as forças. Apesar das investidas do pai (um quase-famoso escritor) e das pessoas de sua casa para se dedicar aos estudos e a construir laços com possíveis amigos e colegas, Luzhin segue um caminho obstinado rumo à carreira de enxadrista.

Mil e um obstáculos vão se interpondo no caminho de Luzhin, obstáculos esses que são potencializados pela sua total falta de prática no que tange a sociabilidade. Por conta de ter se ancorado tão firmemente ao xadrez, o famoso tabuleiro de 64 casas é o escopo através do qual ele lê o mundo. Nabokov se vale disso para construir não só um belo personagem, como também metáforas e comparações explicativas de várias coisas usando o xadrez.

A paixão logo se torna uma obsessão, e é como se a realidade se tornasse um grande tabuleiro, e as pessoas peças, de modo que, simultaneamente, sacrifícios e estratégias se tornassem, por mais bizarras que fossem, parte dos expedientes diários de Luzhin. A condição de deslocado social que ele assume ao longo da obra se manifesta em sua preocupação excessiva com a defesa, já que ela é construída dentro e fora dos domínios do xadrez (para Luzhin essa fronteira nem é tão nítida).

Apesar das condições a-sociais que cercam Luzhin, isso não impede que ele encontre uma mulher disposta a tolerar suas excentricidades e com ele viver. A relação, como já era de se esperar, é bastante conturbada e enfrenta resistências dos pais da moça. O imbróglio familiar em que se mete Luzhin é expressão de sua inadaptabilidade a um mundo onde as coisas não são concebidas em termos enxadrísticos.

Logo a excentricidade é tratada como patologia e os recursos financeiros da família de sua esposa lhe servem, a contragosto, como esteio para uma vida onde o xadrez é proibido. O temido adversário de outrora, o mestre Turatti, dá lugar ao próprio jogo, que se torna um temor na medida em que assombra Luzhin com sua matemática de probabilidades infinitas e pelo sem-número de combinações que podem ser realizadas.

Nabokov constrói uma bela história com uma bela execução. Apesar dos floreios e o rebusco que alguns talvez achem exagerados, o livro tem um ritmo bastante fluido. São justamente as digressões de Nabokov que fazem o livro ganhar em peso e poder ser chamado “nabokoviano”.

Assim como a história se passa entre famílias com solidez material o suficiente para que lhes permita sustentarem um modo de vida elegante, também Nabokov se vale dessa elegância para conduzir seus personagens em situações em que a ironia fina (que marca toda a extensão de Lolita) ainda encontra-se não totalmente maturada, mas se insinuando em vários pontos do texto. É inclusive engraçado (e historicamente significativo) ver as reações dos personagens e a forma como a Revolução de 1917 é retratada: há quase um silêncio em torno dela, em parte por que o estrato social retratado perdeu posses e prerrogativas com a criação da União Soviética.

A forma como Nabokov constrói sua história e a maneira como ele vai mesclando descrições de pessoas, situações e os próprios pensamentos de Luzhin, mostram que Nabokov concebia parte do ofício literário como um jogo de xadrez também, onde os avanços do autor, as estratégias montadas e as armadilhas dispostas servem para pegar incautos leitores que resolverem tirar conclusões precipitadas acerca dos sentidos ocultos de seu livro. Isso é o que torna a leitura tão enigmática, tão difícil e tão interessante.