A guerra é definida na literatura não só pela barbárie, mas também como um fator que modifica a vida das famílias. Parentes que morrem, amigos que se distanciam, momentos que marcam a vida do autor e do leitor. Mesmo devastadoras, as guerras também tem a preciosidade de nos ajudar a entender quem somos. Assim é Persépolis. O livro em quadrinhos foi idealizado e escrito a partir da experiência pessoal da iraniana Marjane Satrapi. Com desenhos cativantes pela simplicidade, a autora conta sobre como a história do seu país e a guerra Irã-Iraque influenciaram o seu modo de pensar, as suas atitudes e a vida das pessoas que conheceram de perto a violência.

A trama começa na infância de Marji, uma menina cheia de imaginação e contestadora. Passa pelas dúvidas da adolescência e também por questões de aceitação, já que foi enviada para fora do país para sua própria proteção. Finalmente, definindo a identidade da mulher Marjane, com desejos de ser amada, de poder se expressar mesmo usando o véu exigido pelo governo do Irã.

O livro-quadrinho faz rir, choca, denuncia e ao mesmo tempo consegue ser sensível às questões políticas e pessoais do sofrido povo iraniano em guerra. Mostra características culturais fortes, o valor da família e a importância de se definir como pessoa, como motivação de vida. A leitura deixa o leitor estasiado, sem querer parar, como um transe (principalmente para nós, brasileiros, que não conhecemos a guerra – física e psicologicamente).

Escrito em 2003, e lançado no Brasil em 2004, Persépolis é uma grafic novel (apesar da autora não gostar dessa denominação) em 4 edições. É considerado um parente próximo de Palestina, o famoso quadrinho de Joe Sacco, com a diferença que é o relato de uma vítima da guerra, e não o olhar distante do jornalista. Sua fama cresceu ainda mais com a adaptação em animação, feita para o cinema em 2007.

O filme Persépolis participou de mostras importantes como em festivais de Nova Iorque e Toronto, ganhou o prêmio do júri no Festival de Cannes 2007, e até indicação ao Oscar. Uma animação notável que mistura efeitos 3D com uma sensação daqueles antigos desenhos 2D, e oscila entre o preto-e-branco (a maioria do tempo, com as memórias de Marji) e o colorido. Os traços em movimento, próximos ao original em quadrinho, são de encher os olhos de quem assiste.

Como em toda adaptação, o trabalho maior provavelmente foi na escolha das micro-tramas que estariam na composição do filme. Isso porque, a graça da história está nas pequenas situações vividas por Marjane, e muitas se perdem por falta de tempo de incluí-las na animação. Fora isso e algumas pequenas mudanças (afinal, são meios diferentes), o produto para cinema é bem fiel aos quadrinhos. Em algumas vezes, o espectador que leu o livro antes de ver o filme consegue inclusive saber das falas por antecipação. Esse resultado provavelmente foi conseguido porque a própria Marjane Satrapi é escritora e diretora, trabalhando junto com Vincent Paronnaud.

Se recomendo? Muito, tanto o quadrinho como o filme. São duas experiências diferentes, apesar da boa adaptação que faz com que a história esteja fiel no cinema. A história emociona, e é um ponto de vista parcial, sim, mas que tem seu valor. Só tenho dúvidas se quem assistiu o filme primeiro ficou cativado, pois apesar de fidedigno as minhas historinhas preferidas ficaram mesmo no livro.