Como é a China? E o Brasil? Como diz o provérbio, ‘Os velhos e os viajantes mentem com autoridade’. O fato é que sempre existiram relatos de viagem. Heródoto foi para o Egito. Ibn Battuta foi de Tanger até o oriente distante. E quem viajava tinha sempre nas mãos o poder de contar, não contar, aumentar, inventar. Hoje você lê uma notícia sobre o governo do Butão, digita o nome deste reino mágico na barra do seu navegador e voilà. Tudo a sua disposição em aproximadamente 0,23 segundos.

Alguns relatos de viagem como o de Marco Polo foram por um bom tempo o Google daquelas pessoas. Não havia preocupações do tipo: É possível mesmo que existam esses animais que ele descreve? No exato momento em que ele descrevia, o animal passava a existir. Com 2 cabeças, asas enormes, olhos vermelhos. John Mandeville (que ninguém sabe a certo se existiu e, caso tenha existido, se realmente viajou) descreve o algodoeiro como uma planta de onde nascem carneiros. A partir daí, o cidadão que nunca saiu de sua vila e nunca viu um algodoeiro imagina o que quiser. E quer saber o mais incrível? Com toda a tecnologia ao alcance das nossas mãos, a imagem que temos hoje de certos povos deriva de preconceitos criados nessa época.

O período das grandes navegações amplia este efeito. A América e seus mistérios surgem no mapa. E os relatos passam a incluir fontes da juventude, cidades de ouro e índios gigantes. Não acredita no que eu te conto? Vai até lá conferir… Mas cuidado… Os índios, além de gigantes, comem gente!

Eram relatos crus, sem qualquer tipo de preocupação estética. Notícias de terras distantes dadas por pessoas que não raramente eram mais habilidosas com espadas e canhões do que com a pena. Isso dificulta um pouco a leitura desses relatos, mas é incontestável seu valor histórico.

Mas um relato de viagem não é uma seqüência de datas e lugares por onde se passou. É muito mais que isso. Um relato de viagem é a soma de experiências únicas, de contato com pessoas, imagens, cores, cheiros e sabores que despertem algo no leitor.

Muito tempo e muitas aventuras depois chegamos ao século XIX. É aqui que passamos a contar com o que hoje chamamos Literatura de Viagem. Grandes conhecedores das letras passam a inundar a Europa com seus relatos. Viagens curtas ou para o outro lado do mundo. Isso não faz diferença quando quem conta a viagem é Mary Shelley, ainda mais se ela contar que passeou pela França e Suíça, onde se encontrou com Lord Byron. E se Maupassant entrar em seu barco, costear o Mediterrâneo e decidir nos contar como foi? Nesse ponto, o distante, o diferente, se tornam complementos, o pano de fundo de uma narrativa capaz de te deleitar por algum tempo.

O espírito cosmopolita da época aponta novas rotas. E aqueles que estavam cansados da superficialidade e da massificação cultural que a Europa vinha sofrendo fizeram como Florence Dixie, a lady inglesa que decidiu passar algum tempo cavalgando e caçando pela Patagônia. Quando seus amigos perguntaram o motivo de ela querer ir para um lugar tão distante da civilização ela apenas disse que a resposta estava na própria pergunta. Outro que precisava de algo novo para se desenvolver era Paul Gauguin. E ele vai longe. Taiti. Passou dois anos lá e nos trouxe, além de seus mais preciosos quadros, um diário que é um show de cultura e poesia entre as descrições de um paraíso possível.

Algumas viagens são tão maravilhosas, ou pelo menos são contadas de forma tão maravilhosa, que merecem ser refeitas. A cada página virada. Bem aí. Dentro da sua cabeça.

(Esse post é uma colaboração de Rui Bittencourt, coordenardor da coleção GiraMundo da editora Juruá e autor do blog anotações esporádicas para eventuais falhas de memória)