Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objetivo
para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro
isola o leitor da realidade da rua,
que é o sumidouro da vida subjetiva.

(Augusto Meyer)

…before I sink
into the big sleep,
I want to hear
the scream
of the butterfly

(Jim Morrison)

Há muito tempo que eu me pergunto: do que se faz a prosa poética? Faz-se de e com ausências? De imagens metafóricas? De saberes? De goles de experiências contidas na memória? De fragmentos filosóficos? De instantes intensos?

Será que a Literatura – em geral, e podemos abordar todo o tipo de arte – se alimenta de paixões, fugas e silêncios (além, como é muito teorizado, da própria literatura)? Mistura essa que pode dar forma ao barro, cuja matéria-prima dará vida – verbo – à coisa? Difícil é delimitar a matéria essencial da literatura. Em suma, diríamos ser a vida.

Assim, as interrogações acumulam-se ao ler o livro Nervuras do silêncio, de Lindsey Rocha. Pequenos quadros poéticos de carpintaria pintados por dedos de açúcar. Pequenas fugas. Frestas. Frames à lá Kurosawa.

Ao abrir as Nervuras do Silêncio, o leitor estará convidado a entrar em movimentos empiristas de um balé onírico de sigilo, dança que nos retira do mundo circundante e nos transporta para as pérolas da vida subjetiva. Os textos poéticos são como conchas recolhidas à beira da epiderme. Águas vivas da noite beirando o prelúdio de Debussy. Hieróglifos, imprevisíveis retornos.

Há quem se engane em perder todo o tempo do mundo na confecção de florista, no arranjo estético do sentido, pois por trás das nervuras que percorrem o sangue das palavras, os textos partem, sobretudo, para uma espécie de ensaio filosófico (“…deixas azuis, falas com brilho de mata virgem, jardins de perguntas adocicadas e espelhos que refletem o contrário disso tudo”). Quadros minimalistas, recortes de momentos, pequenas larvas líricas que rastejam pelos nossos subterrâneos estão presentes em cada conto bem delineado pela jovem escritora curitibana.

O leitor, acostumado com enredo, espaço e tempo, estranhará as pequenas pinturas de Lindsey, pois elas são compostas de tonalidades de ausência – sintaticamente falando – por entre as quais, certamente, o leitor sentirá falta de terreno onde pisar. Mesmo com esse hiato – de alguma coisa: razão(?) – os textos carregam outros corpos. Outras epidermes. A sensação de delírios causada pelas nervuras de Lindsey – esquizofrenia(?) – é o que eleva o simbolismo de seus suspiros poéticos, dos seus saberes que passeiam pelo paradoxo de nos dar e, ao mesmo tempo, solicitar os sentidos; também o erotismo em lençóis d’água no desejo das teclas do piano de Chopin quererem ser o corpo tocado por alguém: “o doce poder de dizer ser sua vítima”. É, portanto, na desautomatização da razão que encontramos a vida, e dela tiramos sonhos, palavras e compomos minuetos silenciosos. Não há terreno, e sim nuvens por entre as quais passeiam vôos muitas vezes surreais. Coisas do espírito.

Ler nervuras do Silêncio é nos ler através da pele. Dígitos de fantasia. É “aprender a pescar. Deixar de rabugice. Usar a isca da presença. Escutar de repente um ‘sai dessa’ e sair”. Universo infinito feito de pequenas gotas silenciosas que resumem “toques, risos e saberes”.

Ao abrir o livro, cada fragmento nos faz tirar a roupa e saber que estamos sós, nus ao tempo presente cheio de vestígios rugosos no palco imagético da vida.

A título de conclusão, este conjunto de prosa-poética faz residir a solidão de Lindsey: ser vista como ela realmente quer.

(Esse artigo é uma colaboração de Giuliano Gimenez, que escreve textos sem pé nem cabeça periodicamente no blog http://aguerradasimaginacoes.blogspot.com/)