J. M. CoetzeeÉ impressionante como as celebridades literárias são erroneamente escolhidas pela mídia: depois da bolañomania – em que o já falecido Roberto Bolaño, autor de livros como Detetives Selvagens e 2666, foi até chamado de “Harry Potter intelectual” – a mais nova celebridade literária é  o sul-africano J. M. Coetzee. Laureado com o Nobel em 2003 e, caso único, vencedor de dois Booker Prize, Coetzee é notoriamente recluso: sequer recebeu seus Booker pessoalmente, raramente dá entrevistas – nas quais é um tanto lacônico e ácido.

Coetzee nasceu e cresceu na Cidade do Cabo, na África do Sul, filho de um advogado e uma professora. Ele passou grande parte de sua infância em sua cidade natal e em Worcester, na província do Cabo. Estudou no colégio católico St. Joseph’s College e mais tarde graduou-se em matemática e em inglês pela Universidade do Cabo.

No começo dos anos 60 Coetzee emigrou para a Inglaterra, onde foi um dos primeiros programadores da IBM. Uma carreira extremamente promissora, mas Coetzee a abandonou para fazer um mestrado sobre as novelas de Ford Madox Ford na Universidade do Cabo, um PhD em lingüística com um trabalho de análise estilística computadorizada sobre os trabalhos de Beckett, na Universidade do Texas, em Austin, EUA.

Tentou, então, um visto de residência nos EUA: este, porém, lhe foi negado por envolvimentos em protestos contra a guerra do Vietnã. Retornou à África do Sul, tornando-se professor de literatura inglesa na Universidade do Cabo. Ao aposentar-se, em 2002, mudou-se para Adelaide, na Austrália, onde é um pesquisador honorário. Em 2006 ele tornou-se cidadão australiano.

São poucos os fatos conhecidos da vida de Coetzee: essa curta biografia e o fato de que é um sujeito bastante sério (conta o folclore que um colega teria afirmado que em 10 anos de trabalho, só o viu rir uma vez), de disciplina monástica: não fuma, não bebe e é vegetariano.

Sua carreira literária, em contrapartida, é bastante extensa: começou em 1974 com Dusklands, seguido por In the Heart of the Country (1977), Waiting for the Barbarians (1980) (lançado no Brasil como À Espera dos Bárbaros), Life & Times of Michael K (1983) (O Cio da Terra: Vida e Tempo de Michael K/Vida e época de Michael K), Foe (1986), Age of Iron (1990) (A Idade do Ferro), The Master of Petersburg (1994) (Dostoiéviski, O Mestre de Petersburgo), Boyhood: Scenes from Provincial Life (1998), Disgrace (1999) (Desonra), The Lives of Animals (1999) (A Vida dos Animais), Youth: Scenes from Provincial Life II (2002) (Juventude), Elizabeth Costello (2003) (Elizabeth Costello), Slow Man (2005) (Homem Lento) e Diary of a Bad Year (2007) (Diário de um Ano Ruim). Além disso existem ainda ensaios, traduções e trabalhos de crítica literária.  Em setembro próximo será lançado Summertime, a continuação de Boyhood e Youth, seus vagos romances de formação. E em breve será lançado no Brasil uma adaptação cinematográfica para Disgrace.

A escrita de Coetzee é bastante impessoal. Não li todos seus livros, mas a maioria, e a narrativa parece obedecer a uma de duas regras: ou é em primeira pessoa, feita por um personagem que nunca se identifica (como em À Espera dos Bárbaros e A Idade do Ferro); ou é em terceira pessoa (inclusive em Boyhood, Youth e Summertime). As exceções são Elizabeth Costello, A Vida dos Animais e Diário de um Ano Ruim. Em Elizabeth Costello e A Vida dos Animais a narradora é Elizabeth Costello, uma escritora australiana que escreveu uma biografia de uma personagem ficcional (no caso, Molly Bloom, do Ulisses de Joyce): e o alter ego do autor, sul-africano que vive na austrália e fez o mesmo com Susan Barton, que aportou na mesma ilha que Robson Crusoé de Daniel Foe. Já Diário de um Ano Ruim é um livro ímpar, em que ensaios intercalam-se com duas narrativas, ou melhor, com dois pontos de vista sobre a mesma estória: o de um velho escritor (que é o autor dos ensaios do livro) e de sua bela e jovem secretária filipina.

A velhice, aliás, é bastante importante em sua obra: a aproximação do fim da vida e a decadência do homem é inevitável, terrível, modifica sentimentos, desejos e medos. A história é igualmente tirânica, e somos simplesmente arrastados ou esmagados por ela, incapazes de escapar. Isso é algo que se repete em quase todos so livros, com variações que refletem sobre outros temas como o sexo, a tortura, a censura, o amor, a violência e mesmo a literatura.

Coetzee não é uma boa escolha para ser transformado em celebridade, pois parece ser avesso a esse tipo de coisa. É, no entanto, um dos grandes nomes da literatura contemporânea, e um dos poucos que, talvez, escreva por necessidade de expressar algo que, de outro modo, não poderia ser expresso – e não pelo falso e fugaz glammour da publicação.

PS: Aqui podem ser conferidos fragmentos (em inglês) do livro que será lançado em setembro, Summertime.

PPS: Aqui pode ser conferido o trailer para a adaptação cinematográfica de Disgrace.

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