J.M. Coetzee é sul-africano, doutor em lingüística, escreveu diversos livros e em 2003 recebeu o Nobel de literatura. Dotado de um estilo de escrita que intercala um estilo impessoal, poético e visceral. Sua percepção sobre a psique humana e as diferenças entre status, dependendo do ambiente onde se encontra seus personagens, é um forte traço de seu livro Desonra.

David Lurie é um professor de literatura que não sabe como conciliar sua formação humanista, seu desejo amoroso e as normas politicamente corretas da universidade onde dá aula. Mesmo sabendo do perigo, ele tem um caso com uma aluna. Acusado de abuso, é expulso da universidade e viaja para passar uns dias na propriedade rural da filha, Lucy.

O título em inglês, Disgrace, funciona tão bem quanto Desonra, quando seguimos o declínio do intelectual. Vemos como sua formação e seu estilo de ver a vida se perde quando ele muda de ambiente, quando todas as suas certezas sobre o amor e o sexo, e acima de tudo sobre a inteligência perde as bases e numa idade avançada vê que o mundo não é da maneira como imaginava em sua bolha. Preso a uma vida acadêmica, Lurie perde a crença na nova geração, perdida em outras preocupações e passam pela universidade como um rito de passagem obrigatório, pouco se importando com Byron ou quaisquer estudos literários.

Em contraponto a sua superioridade intelectual perde a força quando se vê em um ambiente rural, onde a força da África pós-apartheid choca sua consciência, os negros estão em ascensão, ganhando terras e novos direitos. Nesse ambiente bucólico Lurie se desliga de suas ambições e de grande professor, se vê apenas como um idoso que recebe trabalhos braçais. A principio, acha apropriado que Petrus, anteriormente o ajudante de sua filha Lucy e agora um empresário, ser um cachorreiro. Os papéis de poder se invertem e seus preconceitos se chocam com essa nova realidade da sua vida, enquanto Petrus sobe na vida. Suas opiniões de nada valem e sua virilidade foi perdida (e minimamente recuperada quando se vê apaixonado por Bev, uma mulher que a principio criava asco em sua alma). Para piorar situação, além da velhice iminente no exterior de sua face, recebe um castigo que não recebe como uma lição e, sim, como uma desgraça.

Ao fim da leitura, creio que foi um dos livros mais difíceis para resenhar, explico: a maneira como Coetzee cria um fluxo de história entre extremos, entre a conquista, a derrota, a ascensão e o declínio, nota-se detalhes quase imperceptíveis, isto é, desde o começo pequenos trechos mostram que o personagem já está em desgraça há tempos: encontros marcados com Soraya, a reclusão, o reconhecimento do trabalho e status abalado, as leituras de seus poemas em aula; tudo isso apenas aumenta, conforme a cativante narrativa apresenta momentos de pura apreciação e outras de pura tensão. É um livro de extremos jogados em palavras impessoais o tempo todo ao leitor.