Alguns dias atrás eu escrevi aqui sobre O Fiasco, do húngaro Imre Kertész. Eu mencionei que o livro era a segunda parte de um trilogia iniciada com Sem Destino e terminada com Kaddish para uma Criança não Nascida.

Eis aqui, então, a primeira parte. Em primeiro lugar é importante ressaltar de que, por mais que a obra pareça autobiográfica, que soe como algo pelo qual Kertész passou- e que trate de algo pelo qual ele tenha passado- ele nega isso, diz que a ligação com sua própria vida se dá mais a nível intelectual do que factual.

Dito isso, vamos ao livro. Somos apresentados a György Köves, um adolescente judeu-húngaro de 14 anos que, durante a dominação nazista, tem o pai tirado de casa para ir trabalhar. Ele se torna o responsável, então, de cuidar da madrasta e da mãe.

Logo, porém, ele mesmo é chamado para o trabalho, nas cercanias de Budapeste. Apesar das dificuldades sua vida prossegue normal- ao menos normal como era para todos os judeus na época. Um dia, porém, ele e os outros trabalhadores são impedidos de ir ao trabalho, colocados em um vagão de trem e, sem saberem de nada, acabam em Auschwitz.

Lá Köves- jovem, apto para o trabalho e tendo mentido a idade- é enviado para Buchenwald, onde tem início o sofrimento. Todo o absurdo e a resignação da existência no Campo são descritos de modo crú. Os piores carrascos, porém, não são os soldados alemães, mas os próprios prisioneiros- apesar de ser judeu, sua família não é religiosa e ele não fala nem hebraico e nem ídiche, sendo considerado como inferior pelos outros prisioneiros judeus.

O grande trunfo de Kertész, porém, é justamente mostrar que o sofrimento, de certa forma, era tolerável, que chegava mesmo a ser agradável estar trabalhando. É claro que existe a dor dor. Por vezes o protagonista passa por coisas em que praticamente qualquer pessoa preferiria morrer, inclusive ele mesmo. Mas essas coisas não o matam, mas também não o deixam incólume- e nem são descritas de maneira piegas pelo autor.

Um dos melhores livros já escritos a respeito do Holocausto, exatamente por ser um dos mais grotescos, um dos mais difíceis de se assimilar- como pode alguém, em tais condições, não perceber que era um prisioneiro? Como pode-se sentir saudades de Buchenwald?

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