Um homossexual em um mundo heterossexual. Um francês que não se sentia francês e, na África, sentia-se ainda mais estrangeiro. Um eterno exilado em um mundo violento, um eterno revoltado. Bernard-Marie Koltès poderia facilmente ser uma personagem de alguma obra do franco-argelino Albert Camus. Mas não é.

Bernard-Marie Koltès é um dos nomes mais importantes da dramaturgia contemporânea. Se em sua vida já se percebe algo de Camus, em sua obra essa sombra é ainda mais forte. Porém Koltès anda no lado mais escuro, em que a violência e a desesperança governam. Alcoolista, homossexual e controverso, a poética de Koltès foi inovadora e iconoclástica.

Nascido em 1948 na cidade de Metz, em uma família de classe média, Koltès começou a escrever ainda muito jovem, mas desistiu. Anos mais tarde, com 22 anos ele participaria de uma montagem de Medéa dirigida por Jorge Lavelli, o que o colocaria novamente no mundo do teatro. Pouco depois, inspirado pela atriz Maria Casarès, voltou a escrever.

Foram dezesseis peças escritas entre 1970 e 1989, sendo que a última é composta de fragmentos incompletos. Além disso Koltès escreveu alguns contos, textos de crítica e técnica teatral e traduziu Shakespeare para o francês. Suas obras mais representativas talvez sejam ‘Dans la solitude des champs de coton‘ ou ‘Na solidão dos campos de algodão‘, de 1985; e ‘Combat de nègre et de chiens’‘Briga de negro e de cão’, de 1979; e ‘Retou au desért’ (‘Retorno ao Deserto’), de 1988.

Na solidão dos campos de algodão’ é um diálogo- ou, melhor posto, dois monólogos que se intercalam e dialogam entre si- entre um traficante e um cliente. O traficante, porém, não ousa anunciar seu produto, ao passo que seu cliente não ousa enunciar seu desejo.

Já em ‘Briga de negro e de cão‘ Koltès explora as relações de choque entre a cultura das colônias francesas na África e do branco europeu. É curioso como um tema aparentemente ‘antiquado’ é atual e chocante. E Koltès faz com que esse embate seja ao mesmo tempo sutil e extremamente visceral.

‘Retorno ao Deserto’ segue no tema das colônias, agora mostrando uma família que volta a reunir-se (e a odiar-se) depois de anos de exílio de parte dela. Uma curiosidade a respeito dessa peça é que em 2007 a Comédie Française colocou uma montagem dessa peça em cartaz, mas não respeitou o testamento do autor, ao colocar um ator francês no papel de Aziz. Isso rendeu-lhes duras críticas da parte de Fraçois Koltès, irmão e responsável pela obra do autor, e gerou polêmica no meio artístico francês.

Koltès morreu em 1989, por complicações relacionadas à AIDS. Seus últimos anos de vida são contados por ele mesmo, em ‘Une part de ma vie : Entretiens (1983-1989)’, coletânea de textos autobiográficos publicada em 1999.


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