Ora me peguei pensando em como começaria a dissertar sobre a comicidade. Explorar esse fator que me parece ser tão natural, que sempre esteve presente na vida de todos. Decidi então procurar as características principais que nos tornam seres humanos e na definição encontrei o seguinte: “Biologicamente, os humanos são classificados como a espécie Homo sapiens (latim para homem sábio, homem racional), um primata bípede pertencente à superfamília Hominídea […] adotam uma postura ereta que possibilita a libertação dos membros anteriores para a manipulação de objetos, possuem um cérebro bem desenvolvido que lhes proporciona as capacidades de raciocínio abstrato, linguagem e introspecção. A mente humana tem vários atributos distintos. É responsável pela complexidade do comportamento humano, especialmente a linguagem…”

A partir dessa descrição, podemos perceber que uma das poucas características que nos difere de, por exemplo, um chimpanzé adestrado, é o fato de temos a linguagem e capacidade de raciocínio desenvolvidos. E tão somente por esses fatores acredito que o homem seja capaz de rir. Como cita Bergson “não há comicidade fora do que é propriamente humano”. Uma lhama saberia dar boas risadas de uma situação cômica se ela tivesse a mesma complexidade racional que nós temos.

E não somente o raciocínio, mas também o desenvolvimento da comunicação e linguagem em sociedade. O cômico não é um fator individual. Nós rimos de alguém, para alguém, com alguém. Se rimos sozinhos, possivelmente estamos lembrando de alguma situação social. Ainda segundo Bergson, “Não desfrutaríamos do cômico, se nos sentíssemos isolados. O riso parece precisar de eco […] o nosso riso é sempre o riso de um grupo.”

Partindo desse pressuposto que eu chego agora a falar sobre o cômico num lugar mais específico, num evento social do humor – o teatro. A comédia teatral existe desde as festas dionisíacas da Grécia antiga e sobrevive ate hoje. Passou por séculos e teve grandes nomes em sua história, um dos mais conhecidos, o inglês William Shakespeare. O dramaturgo, que escreveu a maioria de suas peças entre 1590 e 1611, tem como excelentes obras da comédia peças como “O Mercador de Veneza”, “Sonho de Uma Noite de Verão” e “A Comédia dos Erros”, nas quais a última eu pretendo traçar comentários.

“A Comédia dos Erros” é o exemplo da comicidade humana em meio social. Nela vemos a empregabilidade do humor em várias situações que deleitam o público. Existe na narrativa um fato triste, uma tensão: A família separada e Egeu sentenciado à morte. E é dessa própria tensão surge o elemento do humor. Como mostra Kant, o riso é uma “súbita transformação de uma expectativa tensa em nada”. Dessa forma, a todo o momento há uma expectativa pelo encontro dos irmãos de Siracusa e Éfeso, que é quebrada por situações humorísticas.

Mas não é somente isso que faz com que tal peça seja louvável no que se diz respeito ao humor. Nela existe também o cômico simples, praticamente infantil: Não há como não rir das pancadas que os Drómios de Siacusa e Éfeso recebem pela situação da confusão de reconhecimento de seus mestres. E propriamente dos xingamentos e comparações com animais (jumento) que os personagens trocam a todo o momento. Hélio Scwartsman, em seu ensaio intitulado “Explicando a piada” cita uma situação em que seus dois filhos se divertiam pelo ato do xingamento. O autor diz que são típicos de um humor para pessoas novas, garotos. Contudo acredito que um público muito maior se divirta com isso. Basta ver a quantidade de produtos televisivos e cinematográficos que usam o xingamento com efeito humorístico, por exemplo, o menino Chaves e a figura da loira burra, que freqüentemente surge em programas cômicos.

Mais um efeito de humor que eu poderia apontar é o da loucura. E como diz Axel Oxenstiern, “O riso é a trombeta da loucura”. A confusão gerada na peça faz com que a todo o momento os personagens pensem estar loucos e acusam uns aos outros de também estarem malucos. No ponto auge da confusão, chega-se a tentar amarrar dois personagens e trancá-los em quarto:
“PINCH – Estão possessos ambos, minha senhora: o amo e o criado. Na palidez do rosto o reconheço, na maneira de olhar. Será preciso amarrá-los e os pôr em quarto escuro.”

Como se não bastasse, ainda existe o humor que surge entre “um choque entre dois códigos de regras ou de contextos, todos consistentes, mas incompatíveis entre si”, como afirma Koestler. Neste caso, ocorre justamente das situações derivadas da troca dos Dromios e Antífolos. Todos os personagens encontram-se certos em relatar suas histórias e agir da maneira que agem, mas ao serem trocados e confundidos, acontece uma confusão que gera o riso.

Com tudo isso e mais infinitos exemplos – e acredito em infinitos, porque o riso também varia de um estado emocional individual, um momento e um lugar apropriado-, “A Comédia dos Erros” mantém o ar cômico capaz de prender o público. E seja no teatro com falas ensaiadas ou simplesmente num tropeção no meio da rua, rir é uma capacidade humana que deve ser ao máximo aproveitada. O homem que não ri e se encurva um pouco, já é quase um chimpanzé adestrado.

Sobre a autora: Ingrid Coelho também pode ser encontrada no blog Dindivagando.

COMENTE ESSE ARTIGO NO FÓRUM MEIA PALAVRA