A juventude está categorizada naquele grupo de temas complicados de serem abordados dentro do mundo das HQs. Aparentemente essa pode parecer uma afirmação sem sentido, já que as histórias em quadrinhos deveriam ter como público-alvo os “as gerações mais novas”, mas nesse caso o problema não está exatamente no produto e sim nos seus desenvolvedores, porque escrever sobre jovens para que outros jovens leiam, é dar início a uma experiência vivenciada no limiar dos clichês falhos. Felizmente, vez ou outra, obras como Xampu – Lovely Losers aparecem para mostrar que a “juventude”, mesmo tardia, pode ser uma temática bem explorada, chegando ao ponto de merecer uma indicação.

O roteiro de Xampu é focado dentro da vida de 4 personagens principais e os elementos em comum que os rodeiam. Max, O Sombra, Nicole e Raquel estão na capa da HQ como uma daquelas ilustrações que vinham no centro dos discos de vinil. A presença do LP e os personagens são suficientes para se deixar claro que essa não é uma história atual e nem sobre uma juventude “colorida”. Toda a trama se passa nos anos 80 e é recheada de citações à filmes, programas e bandas da época, ficando em maior apelo a parte musical já que O Sombra, um dos personagens principais, é vocalista de uma banda de Hard Rock e um apaixonado pela música e a fama que ela pode trazer.As histórias são divididas em faixas, assim como seriam num LP de verdade. Nelas, os 4 personagens vão vivenciando experiências comuns a todos aqueles que tiveram seus 20 poucos anos vividos durante a década de 80. Festas regadas a bebidas e muita música, dividir apartamento com amigos, sobreviver com uma renda limitada, tentar mudar de vida, ser famoso entre as meninas, viver, crescer, chegar ao fundo do poço e, talvez, voltar. São tantas as experiências dentro de poucas páginas e apresentadas com uma certa rapidez.

Xampu usa todos esses elementos revolucionários para a época como, por exemplo, o comportamento transgressor dos ditos “roqueiros”, a fim de abordar uma gama de acontecimentos que são sentidos de uma forma mais acentuada na fase chamada juventude. Amores partidos, vidas queimadas, destinos cruéis e o cotidiano juvenil são postos em sua forma mais realista. Ou seja, não existem duas páginas seguidas com um texto pretensioso e pouco comum. Os personagens são parecidos com amigos seus, os lugares são idênticos aos que vocês podem ver por toda a grande São Paulo e, principalmente, os acontecimentos são muito reais, ao ponto de já terem ocorrido com boa parte de leitores.

Talvez o mais legal de Xampu seja o fato de que toda a obra foi solidificada usando uma argamassa chamada “clichê satisfatório”. Por mais comum ou usual que os perfis e ambientes sejam, ou por mais real que as situações possam parecer, em momento algum o leitor vai se queixar de estar sendo enganado. O realismo é a ferramenta utilizada para espalhar essa argamassa sem prejudicar a escultura com traços forçados.

No que diz respeito a arte e as cores, não existem reclamações. Colocar toda a ilustração em preto e branco, com um traço marcado deu expressão aos personagens e vida aos ambientes. Um possível descontentamento seja com o fato de que a cidade de São Paulo não está bem ambientada, simplesmente por uma falta de visões comuns e pontos de encontro.

Um outro susto para o leitor é saber que tudo essa obra foi pensada, escrita e ilustrada por uma única pessoa. Roger Cruz, um nome conhecidos para os leitores da Marvel, nasceu em São Paulo em plenos anos 70 e começou a trabalhar com ilustração ainda jovem. Fica visível a influencia de sua juventude dentro de Xampu e talvez essa marca de ainda mais credibilidade ao roteiro de Xampu.

Acredito que os dois melhores grupos para se indicar a leitura de Xampu sejam grupos conflitantes. O primeiro deles é formado pelos saudosistas que viveram nos anos 80 sua juventude e estavam antenados com o cenário rock n’ roll. Já o segundo grupo, pode ser formado justamente por uma juventude que está bem longe do ambiente retratado pela HQ, não sei se existe uma nomenclatura correta, porém gosto de chamar esse grupo em questão de “coloridos”. No caso, esse segundo grupo, deveria ler a HQ para ter a oportunidade de conhecer os anos 80 de uma forma diferenciada e mais direta.

Xampu Lovely Loser saiu pela editora Devir e custa uma média de 25 à 30 reais. Quem quiser comprar uma, indico a Comix Book pela confiança que tenho no trabalho deles.

Sobre o autor: Breno Cavalcante é o Breno C. no Meia Palavra e também pode ser encontrado no blog CSIDES.

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