Dois Corpos no Central Park, Bettmann, 1953“Será que a realização da plenitude e absurdo da vida exigem suicídio?” É, para Albert Camus, a única pergunta que deve ser respondida. E ele conclui que o suicídio não é a resposta: deve-se viver, deve-se revoltar. A revolta carrega em si a esperança, a luta é suficiente para tornar o homem pleno.

E as personagens dos contos de Vila-Matas são como o pensamento do argelino colocado em prática. Um tema que pode ser considerado forte, que pode assustar. Mas são contos extremamente delicados e sutis. E só em um dos contos a personagem efetivamente se mata. Nos outros o suicídio é uma idéia, servindo mais como uma promessa do que como algo a realmente ser realizado. Talvez nisso resida o fato de serem exemplares: a pergunta de Camus é respondida não de modo filosófico, mas prático. Alguns até tentam levar a idéia a cabo mas, por um motivo ou outro, sempre protelam sua execução.

“Rosa Schwazer volta a vida” é, creio, o melhor exemplo: a vigia de museu decepciona-se com a vida – percebe e sente o absurdo – durante todo o dia, e pensa em se matar. Ela porém não o faz, sempre encontra um motivo para protelar aquilo que, pensa ela, é inevitável. E continua vivendo, apesar de tudo, e talvez apenas pela promessa de que na próxima oportunidade vai se matar.

Em “As noites da íris negra” há uma sociedade cujos membros vivem para a possibilidade do suicídio. Para eles a única coisa que torna a vida suportável é o fato de que podem se matar a qualquer momento.

“Uma invenção muito prática” e “Pedem que diga quem sou” são contos opostos: no primeiro a resignação dá lugar à revolta, afastando o suicídio; no outro a revolta subitamente deixa de existir, e o absurdo sobrevém.

Porém a revolta nem sempre está presente: “Em busca de um parceiro eletrizante” e “A arte de desaparecer” mostram personagens incapazes de se revoltar. Logo o absurdo torna-se demasiado pesado para que vivam. E contemplam o suicídio como escapatória.

Dois contos, entretanto, pareceram-me especiais: “Amores que duram toda uma vida”, cujo mote novamente remete a Camus: “Os tristes têm duas razões para o ser: ignoram ou esperam” e o único no qual a personagem realmente se mata, porque esperava; e “O colecionador de tempestades” em que a idéia da morte é bastante cômica – ele também se encaminharia para um suicídio executado com engenhosidade e perfeição, mas o acaso intervém e temos, quem sabe, um resultado do fato de a vida em si ser algo ridiculamente absurdo.

Vila-Matas foi feliz nesse tema infeliz. Ele consegue fazer o que se propõe no prefácio: viajar até que se esgotem as nobres opções de morte e levar o leitor a projetar a si mesmo sobre os diversos suicidas que ele ilustra. E mostra que o suicídio não necessariamente é o fim da esperança, mas talvez a sua busca.

VILA-MATAS, Enrique. Suicídios Exemplares. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2009. 1a Edição. 208 páginas. Preço sugerido: R$45,00.

COMENTE ESSE ARTIGO NO FÓRUM  MEIA PALAVRA