Antes de começar a análise de Liquidação, novela de Imre Kertézs, aconselharia a todos os leitores a lerem a biografia que o Luciano postou aqui no blog. A história abre com o personagem Amargo, editor, que contempla as pessoas mais miseráveis da janela de seu apartamento, enquanto remói se deve ou não levar adiante o último manuscristo que conseguiu salvar de seu amigo B., um sobrevivente de Auschwitz e que cometeu suicídio nove anos antes do ponto de partida desse relato.

Através da leitura do manuscrito Amargo reconstrói os momentos que são descritos na peça de B., assim como sua vida e o momento em que conheceu o amigo. Ou seja, ele nos impõe que primeiro devemos conhecer nossa própria para contar de outras pessoas.

O título do livro faz referência a peça de B. que na época recebera a notícia de que a editora onde Amargo trabalhava seria fechada. Nesse caminho entre peça e realidade, todos os envolvidos com o escritor morto tornam-se personagens de um cenário pós-socialista à beira de um colapso financeiro e cultural.

Quem aqui não estragou a vida simplesmente não tem talento

Amargo relembra todas as passagens e falas dos envolvidos com B. para retratar seu desgosto com a vida: um filósofo brilhante que não buscava refúgios nos pensamentos ou estudos, apenas um entorpecimento até o momento da morte que nunca chega. E como o próprio Imre afirma nessa obra “nunca se pode abandonar Auschwitz”, assim como seu trágico personagem que nasceu dentro dele, um caso raro de um bebê que não foi liquidado no campo de concentração ao nascer. B. só se entrega a morte (ou vai de encontro a ela) quando o regime totalitarista acaba na Húngria.

Na minha vida faltava o tipo de artista por quem nós leitores, na verdade, ingressamos na profissão de leitor. O poeta amaldiçoado – bem, acabei falando, por mais infantil que possa parecer.

Liquidação, a peça dentro do livro, trata toda a situação como uma comédia, remetendo assim que o homem trágico foi exterminado com as atrocidades da segunda guerra (na Era Hitler) e dos regimes totalitaristas (Stalin), longe dessa realidade (e quem nunca viveu apenas conhece descrições banais, de acordo com o próprio autor) tudo se torna extremamente cômico e menos crítico (menos importante). Auschwitz não existe para quem não viveu lá, essa é a verdade.

A maneira como são costurados os fatos e as histórias traz um peso que aumenta gradativamente cada vez que desdobramos os rumos que tomaram a história de Amargo, sua vida como leitor profissional e editor, e chegamos ao fulminante pessimismo dos tempos atuais onde heróis não são mais necessários e as histórias perderam seus valores.