Recentemente, a NPR (National Public Radio) realizou uma votação em seu site para eleger os melhores  thrillers de todos os tempos.  Os votantes, aliados ao crivo de críticos e escritores, elegeram em primeiríssimo lugar a mais conhecida obra de Thomas Harris: O silêncio dos inocentes.

Fiquei conhecendo essa obra através do filme dirigido por Jonathan Demme, lançado em 1991. Confesso que não sentia a mesma curiosidade de ler o livro depois de já ter assistido o filme, mas vencer essa excentricidade me deu a oportunidade de conhecer um belo romance policial.

Antes de O silêncio dos inocentes, Thomas Harris já havia escrito outros livros, Domingo negro (1975) e Dragão vermelho (1981. Depois do sucesso do psiquiatra canibal, redimensionado pela repercussão cinematográfica, Harris escreveu ainda Hannibal (1999) e Hannibal, a origem do mal (2006).

Escrito em 1988, O silêncio dos inocentes conta a história da jovem agente do FBI Clarice Starling, que se vê encarregada de investigar pistas para a possível captura de um serial killer (chamado de Buffalo Bill) que vinha matando mulheres que tivessem um manequim um pouquinho avantajado. Pode até parecer clichê, mas a história toma um rumo muito sinistro quando Clarice descobre que sua busca se dará em um local nada convidativo, onde ela deve entrevistar um serial killer aterrador, conhecido por devorar as suas vítimas, o célebre Dr. Hannibal Lecter.

O Dr. Lecter não havia colaborado com entrevistas ou investigações antes de Starling, e Jack Crawford, o superior de jovem agente, pensa que a bela moça de sotaque provinciano pode arrancar alguma informação do assassino canibal. Crawford não estava de todo errado, já que Lecter se mostrou muito mais acessível do que fora em qualquer outra tentativa, porém, Lecter se recusa a fornecer conclusões e hipóteses sem relutância, usando de uma eloqüência e uma elegância surpreendentes (com um toque de sadismo pela negligência em algo tão sério como a captura de Buffalo Bill) ao dar pistas mas esconder verdades efetivas

Thomas Harris estava construindo aí um dos vilões mais aterradores da Literatura, pois se não bastasse o fato de ele praticar canibalismo com suas vítimas, a frieza e a insensibilidade com que ele faz isso e fala sobre isso, aumentam a tensão de cada momento em que ele está “em cena”. A presença dele na narrativa gera uma angústia perturbadora. O caso do mórbido banquete de Lecter com uma enfermeira mostra a frieza do canibal: Lecter era levado para exames médicos, estando já com sua freqüência cardíaca monitorada, quando ataca a enfermeira, mordendo e buscando devora-la. O registro dos batimentos mostrou que sua freqüência cardíaca não se alterou  em nada durante o processo.

Refinado, metódico, erudito e loquaz, Hannibal Lecter parece reunir em uma persona extremos praticamente inconciliáveis, pois o senso dele em relação ao certo, errado, aceitável etc. cria uma aura de mistério e terror em volta de si, de modo que suas frases sejam sugestivas e pertinentes, pois ele joga com Starling e lhe esconde pontos importantes, dizendo que há um quebra-cabeça, mas dando somente uma peça por vez.

Essa valiosa fonte de informações para a resolução do caso tem sua importância aumentada gigantemente quando a filha de uma senadora é seqüestrada por Buffalo Bill, fazendo com que Hannibal procura tirar proveito de seus conhecimentos para conseguir confortos para sua vida enclausurada. Nesse ponto começa uma operação para que Lecter seja transportado para perto da senadora e essa tenha acesso às informações que ele tem.

Interrompo a sinopse nesse ponto para que a trama possa ser devidamente aproveitada por aqueles que se dispuserem a empreender tal leitura, podem ter certeza que ainda há bastante coisa para se aproveitar além do que aqui foi escrito.

Os diálogos, o desenvolvimento psicológico de Starling, as tramas paralelas de personagens secundários, como o guarda de Lecter ou Jack Crawford; a descrição das atrocidades de Buffalo Bill etc. são alguns dos pontos onde o livro vai além do filme, justamente pelo formato, que lhe possibilita deter-se mais sobre certos aspectos que ficam superficializados na película.

Há mais um bocado de coisas legais que fazem o livro valer a pena mesmo que você já tenha assistido ao filme . Difícil é esquecer daquele olhar inquietante e perturbador de Anthony Hopkins a cada descrição que Harris faz de Hannibal Lecter. Vale a pena conferir. Ambos.