‘Os artistas ruins imitam, os bons roubam.’

Eu poderia atribuir essa citação a pelo menos duas pessoas (sem incorrer nas costumeiras atribuições erradas da internet, como as que transformam Kierkegaard em autoajuda): Pablo Picasso (creio que explicações são desnecessárias) e Banksy (aqui, quiçá, já nem tanto: é um artista de rua e ativista político inglês).

Mas o que me importa mesmo nessa frase é o que ela significa. Pois ela é um resumo simples e efetivo para o espírito dessa História secreta de Costaguana, do colombiano Juan Gabriel Vásquez. Eis o mote da coisa toda: Joseph Conrad, marinheiro polonês metamorfoseado em escritor inglês, ouve a história da Colômbia da boca de José Altamirano e a transforma em Costaguana, país sul-americano semi-imaginário em que se passa a ação de seu Nostromo.

O foco, porém, não está exatamente em Conrad e em seu livro, mas sim em Altamirano. É ele o narrador da história, que, impulsionado pela notícia da morte de Conrad, resolve apresentar a sua versão dos fatos. A sua Costaguana e, mais ainda, o modo como sua história pessoal está emaranhada na daquele país imaginário (mas nem tanto).

O relato de Altamirano é bastante rico em detalhes e cheio de justificativas. Ficamos sabendo sobre como seu avô morreu em uma guerra civil. Sobre como seu pai era um liberal radical, que chegou a ter inúmeros problemas com os conservadores e, até mesmo, com o clero. Descobrimos até mesmo como se teceram as intrincadas relações familiares dos Altamirano – o one night stand de Miguel que resultaria em José e uma paixão não correspondida por uma mulher casada.

Quando José cresce e descobre a verdade sobre seu pai, vai atrás dele – e aí a história muda para seu cenário fatídico: o istmo do Panamá. Isso na segunda metade do século XIX, quando o canal era um sonho: toda a filosofia positivista justificar-se-ia e o progresso seria a maior (e talvez a única) das verdades caso o homem vencesse a natureza e cortasse a América ao meio. E era, por isso mesmo, o sonho maior de Miguel Altamirano.

É no Panamá que eles conhecem um engenheiro francês, sua esposa e filho. É no Panamá que pessoas são dizimadas pela doença, que sonhos se tornam ruínas. É lá que José se casa e sua filha nasce, e é lá que a família recém-formada tenta escapar à história e não consegue.

Antes de dar qualquer opinião sobre o livro, preciso advertir que não li Nostromo. Na verdade, excetuando-se um breve ensaio a respeito da dificuldade que a escrita autobiográfica lhe apresentava (publicado na revista Arte & Letra: Estórias O), nunca li Conrad. Não posso, então, fazer essa ponte.

Sinto-me confortável, pelo menos, para dizer que o livro lida bem com a história real (ou, pelo menos, oficial, acadêmica): a separação do Panamá e da Colômbia, as rusgas entre liberais e conservadores, os interesses econômicos das grandes potências e a triste realidade latino-americana de continuidade como colônias mesmo depois de sua independência. Ainda mais – Vásquez consegue amarrá-la à micro-história, à história das pessoas que, no turbilhão dos acontecimentos desapareceram e tiveram seu nome apagado.

O livro é bastante interessante, é verdade, mas, é preciso notar, uma boa ideia e um bom enredo não configuram uma obra-prima. Talvez seja a irregularidade do ritmo na narrativa, que dá a impressão de algumas partes terem sido apressadas quando poderiam receber mais atenção e, outras, esticadas desnecessariamente. Talvez seja a demasiada timidez com que o autor se decidiu por alguns recursos marcadamente meta-literários. Ou, talvez, a culpa seja minha por não ter lido Nostromo – uma curiosidade que, de qualquer maneira, Vásquez despertou em mim.