Winfried Georg Maximilian Sebald é o nome de um dos escritores de língua alemã mais importantes do século XX. Falecido em 2001, acho que o único a quem poderia, eventualmente, ser comparado é Günter Grass. Especialmente porque tanto Grass quanto W. G. Sebald (como é mais conhecido) costumam cutucar feridas que se pensavam cicatrizadas – mas que ainda perturbam a sociedade e a consciência alemãs (e europeias).

Em Os Emigrantes Sebald fala sobre… emigrantes. Mas, obviamente, não quaisquer emigrantes: foca-se naqueles cuja vida teve algo de trágico, algo nem sempre bem discernível em meio a um emaranhado de acontecimentos possivelmente confusos.

São quatro histórias, cada uma sobre um indivíduo diferente. Todas elas carregam algo de memória – o narrador, presumivelmente o próprio Sebald, sempre teve alguma forma de contato com as personagens. Uma série de fotografias em preto e branco ilustram cada sessão do livro, aumentando-lhes o ar de recordação.

A primeira parte é a respeito do doutor Henry Selwyn, um médico que emigrou da Lituânia para a Inglaterra ainda quando criança. Isso parece ter marcado Selwyn profundamente, de forma que ele mesmo configurou uma relação de alienação entre si e o mundo – e, entre outras coisas, seu casamento e sua vida financeira afundaram por isso.

Em seguida o foco é Paul Bereyter, professor primário do narrador. Bereyter é pintado como um professor excepcional, que na primeira metade do século XX lançava mão de uma pedagogia bastante avançada, quiçá até para os padrões atuais. Amado por seus alunos, ele acaba sendo impedido de dar aulas durante o terceiro Reich, por ser um quarto judeu. Isso o leva a abandonar sua terra natal, e desestrutura sua vida para sempre.

Ambros Adelwarth, o terceiro protagonista, era tio-avô do narrador. Supostamente homossexual, abandonou a Alemanha para ganhar a vida na América, e levou uma vida única: viajou o mundo acompanhando um jovem milionário, serviu de mordomo para um homem que decidiu cortar seu contato com o mundo e, depois, para uma viúva inconsolável. Acaba indo parar em um hospício, submetido a eletroconvulsoterapia. As circunstâncias em que isso se dá, no entanto, exigem certa investigação – e é isso que o narrador faz.

Por fim temos Max Ferber, um pintor judeu-alemão. Ele e o jovem narrador se encontram em Manchester e tornam-se amigos. Ferber acaba entregando ao seu jovem amigo a narrativa de sua mãe a respeito da vida que levava antes da guerra – algo que escrevera enquanto esperava a deportação para um campo de concentração.

Apesar de, aparentemente, nenhuma dessas histórias ligar-se as outras, elas formam uma unidade bastante sólida. Refletem as experiências do próprio Sebald e de outras pessoas que ele conheceu – como Frank Auerbach, que foi a inspiração para Ferber – e coisas que leu – a obra de Nabokov é uma referencia constante, e alguns acontecimentos foram adaptados de sua autobiografia, Speak, Memory.

Os Emigrantes é, indubitavelmente, uma obra-prima. Em um mundo em que os deslocamentos são cada vez mais fáceis fisicamente, é interessante lembrar que existem coisas mais profundas – e dolorosas – envolvidas. Deixando que as personagens falem, e usando provas fotográficas, Sebald construiu uma narrativa tão poderosa quanto incômoda.

Os Emigrantes

de W. G. Sebald

tradução por José Marcos Mariani de Macedo

240 páginas

R$ 47,50

 

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