I want my music to sound like throwing yourself out of a tree, or off a tall building, or as if you’re being sucked down into the ocean and you can’t breathe
( Florence Welch )

O Clipe, da banda Florence and The Machine, dirigido por Georgie Greville e Geremy Jasper, é o segundo single do álbum Lungs. Nele, Florence uma espécie de líder xamânica de uma orquestra surreal, de diferentes experiências religiosas. A ideia do clipe é transmitir uma exaltação espiritual e anarquia em meio à fumaça psicodélica que aparece em diversos momentos.

Cada elemento musical da canção é personificado em um grupo de personagens, que surge com diferentes figurinos e representações de cores. Têm-se, na tela, desde crianças, hindus, pagãos e coros que remetem ao cristianismo.

O clipe parece ser, a princípio, simples, porém é muito rico em detalhes. Recentemente, “Dog Days are Over” ganhou o Video Music Awards 2010 (VMA) na categoria Direção de Arte. A partir daí, tive curiosidade em saber o que esse clipe tem de tão especial, por isso, procurei analisar especificamente Direção de Arte, incluindo figurino, composição, maquiagem, cenário, cores e texturas.

CENÁRIO E ILUMINAÇÃO

Dizer que o cenário de “Dog Days are Over” é inexistente seria equivocado, mas dizer que ele é minimalista seria um exagero. O espaço trata-se de um fundo branco. A iluminação não deixa sequer a existência de sombra ao redor dos personagens. Não temos, desta forma, uma espacialização do ambiente em que se passa o clipe. O local se torna pequeno quando o enquadramento é fechado, e maior quando o plano é aberto e enquadra o maior número possível de personagens (o que acontece no refrão da música). A profundidade do cenário só é percebida quando coloca-se um elemento em primeiro plano e outro mais ao fundo.

Em certo momento da música, o fundo branco dá lugar a um fundo negro e um holofote redondo direciona o olhar do espectador, através de um ponto luminoso na escuridão. Neste instante, o espectador só consegue realmente enxergar o que está dentro do holofote e, no resto do quadro, temos uma região opaca, como se numa espécie de “penumbra”.

OBJETOS

Os únicos objetos que temos nos trechos analisados são instrumentos musicais. Eles são: harpas, tambores e pratos.

Todos esses objetos, com exceção do prato (que é inteiro dourado), aparecem em cores que formam um contraste de preto ou marrom escuro com dourado ou amarelo.

Como o clipe procura passar uma mensagem de união de diversas culturas religiosas, busquei saber o significado dos instrumentos mostrados no clipe, dentro das religiões também abordadas nele: O tambor, por exemplo, é muito usado em rituais africanos onde “a música ritual é basicamente o som do tambor, essa música é acompanhada de dança e o transe é o objetivo pretendido e alcançado com o ritual primitivo” (Vanderlei Dorneles)

Além disso, segundo um dos maiores historiadores do século XX, Mircea Eliade, “a obtenção de conhecimentos místicos, nas religiões primitivas, está sempre associada a um êxtase xamânico (ou seja, transe possessivo). Isso explica a importância capital da música” nos rituais. “Os xamãs preparam o seu transe cantando e tocando tambor”

Aguiar Bastos, outro antropólogo, diz que “o tambor não é um simples instrumento de ritmo quanto à sua mais antiga tradição ligada às danças sagradas. Ele é, por sua vez, um instrumento de correspondência, isto é, de comunicação entre o homem e os seres misteriosos que governam a natureza”.

Quanto à harpa, sabemos que ela é comumente vista em igrejas Cristãs, normalmente acompanhadas por imagens de anjos, que as carregam e tocam, porém, mais específico que isso, a harpa que temos neste clipe é a chamada “harpa celta” ou irlandesa.

Este é um dos instrumentos mais antigos da cultura Celta e também usado para celebrar a Natureza, como diz a seguinte passagem “Um bosque, a brisa, a alvorada, o outono – ou qualquer outra estação – enfim, cada pequeno movimento da Natureza carrega um som, e era função do músico senti-lo e traduzi-lo em música.”

Quanto aos pratos, que surgem carregados por uma criança oriental, podemos dizer que eles são excelentes para a Cerimônia do Fogo e da Prosperidade, em regiões orientais. “Os pratos de percussão semelhantes aos usados em bandas escolares ou em orquestras são utilizados no Tibete como instrumentos de cerimônias religiosas. São feitos dos mesmos sete metais das tigelas cantantes e servem para “afastar os espíritos de baixa vibração”. Na musicoterapia os pratos (symbals) são utilizados juntamente com os exercícios de visualização para os trabalhos de desatamento intencional dos nós que nos ligam aos problemas dos ciclos cármicos.” (José Joacir dos Santos)

FIGURINOS E ADEREÇOS

Neste momento, divido o figurino por personagem:

Florence: Aparece com três figurinos diferentes. Todos eles usam tecidos que parecem ser bastante confortáveis e ajustáveis ao corpo.
O primeiro, trata-se de um vestido bastante solto ao corpo, da cor nude. Ele também é acompanhado de jóias douradas. O segundo é uma túnica roxa e dourada, que aparece exclusivamente no refrão da música. O terceiro é um casaco de pele marrom escuro, preso por várias fitas coloridas
As roupas parecem ter tido como referência várias épocas e culturas. A primeira, lembra a cultura egípcia, a túnica lembra a cultura religiosa oriental e o casaco de pele, os bárbaros.
As cores desse figurino tendem a uma composição muito bonita em vídeo. Os detalhes em dourado nos dois primeiros figurinos, dão a sensação de nobreza e importância.

Dançarinas: As dançarinas, vestidas inteiramente de dourado, dão também uma sensação de nobreza, porém, com a mistura da maquiagem azul, que nos passa calma, tranqüilidade e harmonia, temos a impressão de que elas são seres elevados que acompanham Florence em todos os lugares. A roupa, bem como às cores do figurino e maquiagem, remetem também à influencias indianas.

A roupa delas, diferente da de Florence, não parece ser tão confortável, mas sim como se fosse feita inteiramente de pequenas pedrinhas de jóias. No vídeo, esse contraste de azul com dourado chama muito atenção, por isso, essas personagens são usadas para direcionar o olhar do espectador

Harpistas: Aparecem em quadro com uma grande túnica encapuzada na cor vinho. O tecido absorve um pouco de luz, refletindo a cor dourada. Com o capuz, não é possível enxergar o rosto dos personagens. A roupa remete ao paganismo e bruxaria.

Tamborista 1: Aparecem com uma vestimenta bastante simples, que trata-se de um pano ao redor do rosto e parte superior do corpo, e calça nude. Os panos variam entre as cores roxa e vinho. Há, nesta roupa, uma representação dos pagãos.

Tamborista 2: Surgem com vestimentas de pele, em diferentes tons de nude e marrom. A pintura corporal e acessórios como bolsas de pele também nos ajudam a perceber a referência bárbara da vestimenta.

Coro: Aparece com uma roupa bastante simples, uma túnica branca com detalhes em roxo, que remetem exatamente à roupa utilizada por padres em igrejas cristãs. O branco transmite a sensação de paz e conforto.

MAQUIAGEM

Neste ponto, pretendo me ater à maquiagem da cantora, Florence, e de duas dançarinas que a segue por boa parte do trecho. Elas aparecem completamente pintadas de azul, em contraste com a roupa, inteiramente dourada, enquanto que Florence predomina com uma maquiagem branca e vermelha na região dos olhos.

Na minha opinião, a maquiagem de Florence representa o xamanismo. Em rituais xamânicos, a pintura corporal aparece com freqüência, como no seguinte trecho: “durante a realização de rituais no cemitério, protegem contra os vein kuprin (almas dos falecidos), entidades que podem causar doenças e a morte, uma vez que, impulsionadas pela saudade de seus parentes próximos, pretendem levá-los para o numbê (aldeia dos mortos). A pintura corporal, efetuada com tintas oriundas de um domínio natural concebido como dividido, torna a pessoa invisível em relação aos espíritos dos mortos.” Além disso, o vermelho tem forte significado entre os xamãs: “É interessante notar que o fogo – elemento ligado ao mundo social – está sempre presente no momento da obtenção dos poderes vindos da natureza: a erva queimada, a fumaça do remédio do mato que sobe “pra atropelar as enfermidades”, a erva usada em pó, depois de queimada, o carvão da samambainha e do pinheiro para a pintura corporal no kiki. O fogo parece ser o elemento social que ativa, potencializa e domestica o remédio que vem do mato.”

Além disso, sabemos também que o vermelho é ma cor quente, e, portanto, em meio a um quadro predominantemente branco, esta cor chama a atenção e acentua o olhar da cantora.

Sobre a maquiagem das dançarinas, acredito que a intenção seja representar espíritos. As duas dançarinas seguem Florence ao longo do clipe e aparecem em quadro muito mais do que qualquer outro personagem.

VISAGE DOS PERSONAGENS E COMPOSIÇÃO DA CENA

Os personagens são colocados em quadro de forma simétrica, com o objetivo de sempre destacar a cantora, que aparece quase o tempo inteiro nos pontos mais visíveis do enquadramento.

No refrão da música, quando todos os personagens aparecem simultaneamente em quadro, vemos a figura de um triângulo ser formada, tendo assim, uma ampliação do enquadramento, bem como marcação clara do ponto de interesse da cena.

Não é apenas neste momento que vemos a composição triangular aparecer. Também é aplicada, a todo o momento, a regra dos terços, em que os pontos de interesse do quadro estão no vértice de quadrados demarcados por uma regra.

É bom lembrar que os figurinos, cenário clean e simetria ajudam também a direcionar o olhar do espectador, desta forma, Florence pode ser enquadrada perfeitamente no exato centro do quadro sem que isso perca beleza ou visibilidade da cena.

CORES

Tanto as cores brancas como pretas, no cenário, são neutras. O que significa que o olhar do espectador não se prende a este fundo, mas sim a qualquer coisa com cores ou movimento que aparecer na tela. No caso de “Dog Days are Over”, esta é exatamente a intenção: Tornar o personagem como ponto a ser percebido na tela.

Quanto às cores dos instrumentos musicas e figurinos, ou seja, os objetos de cena, temos sempre a mistura de tons de nude com detalhes em dourado e vinho ou roxo em alguns tecidos. A sensação dos figurinos e objetos de cena é que eles são bastante cleans. Nenhuma cor se destaca mais do que a outra, com exceção do vermelho da maquiagem de Florence, por se tratar de uma cor muito quente.

A respeito da fumaça, temos o azul (roxo) se fundindo com o vermelho (vinho). O azul é uma cor fria e o vermelho quente, porém, colocá-las juntas em quadro é totalmente possível e até mesmo harmônico.