Cacau é o segundo romance de Jorge Amado, publicado dois anos depois de O país do carnaval (1931). Já no início do livro Jorge Amado faz um questionamento acerca do caráter proletário ou não do romance em questão, ainda que ele alegue ter escrito aquele romance usando de mais honestidade que literatura.

Depois de ler o posfácio (O marxismo nas roças de cacau) da edição da Cia. das Letras, escrita por José de Souza Martins, responder a questão proposta por Jorge Amado é como andar nas pegadas que o emérito pesquisador deixou ao palmilhar esse caminho.

O romance conta a história pelos olhos de José Cordeiro, um trabalhador das roças de cacau da Fazenda Fraternidade, cujo proprietário é o coronel Manoel Misael de Souza Telles, conhecido entre os trabalhadores como Mané Frajelo. O narrador conta a história algum tempo depois de ter vivido os eventos narrados, no “futuro do livro”, de modo que as reminiscências dos acontecimentos sejam acrescidas das observações “futuras” do narrador, que procura mostrar a situação dos trabalhadores das lavouras de cacau a partir de seu passado e suas próprias experiências.

No livro aparece a situação dos trabalhadores agrícolas na Bahia, explorados pelo coronel, que os paga misérias, pressiona-os e ainda obriga-os a comprar na mercearia da fazenda, onde os preços são superfaturados, de modo que os trabalhadores pouco tem para o próprio sustento ou para eventualidades, como necessidades médicas, algo que acontece com um dos personagens.

A solidariedade que há entre esses explorados lembra bastante a família Joad, de As vinhas da ira, embora o livro de Steinbeck somente tenha sido publicado em 1939 (será que Steinbeck chegou a ler algum livro de Jorge Amado?), já que há entre eles uma cumplicidade, um certo companheirismo que a situação adversa ajuda a fortalecer (consciência de classe, como chama José Cordeiro narrando seu passado a partir de seu posterior embasamento intelectual).

A constatação de José Cordeiro exprime bem o que ele passava a ser ao trabalhar para o Mané Frajelo, quando o responsável pelas contratações lhe diz:

– Está você alugado do coronel.
Estranhei o termo:
– A gente aluga máquina, burro, tudo, mas gente não.
– Pois nas terras do Sul, gente também se aluga.
O termo me humilhava. Alugado… Eu estava reduzido a muito menos que homem… (pp. 34-35)

Entre árduos dias de labuta e idas ao cinema e aos prostíbulos das proximidades os trabalhadores vivem, e a chegada do coronel Mané Frajelo os põem de sobreaviso para a necessidade de intensificarem suas atividades. Quando da chegada da família do coronel, José Cordeiro é designado para acompanhar a filha do rei do cacau em seus passeios pela gigantesca fazenda.

Os diálogos entre os dois são provavelmente a parte onde a questão da luta de classes, uma das grandes premissas do marxismo, fica mais evidente, embora ela provavelmente seja mais tensa e aguda na exploração dos trabalhadores em seu dia-a-dia.

O cacau faz as vezes de pomo da discórdia, não pelo seu valor intrínseco, mas sim por todo o contexto que o cerca, constituído de relações de trabalho e economia em plena transformação no cenário brasileiro da década de 30. Convivem ali dois modos de vida e de produção, que entrechocam-se. A queda do preço do cacau, que arrocha o trabalho e os salários é uma das evidências da mudança que se operava e que viria a culminar mais a frente, sob a égide do governo de Getúlio Vargas no Estado Novo, dentro do pacto populista.

Os frutos dourados que enchem as plantações da Fazenda Fraternidade são o elemento representativo de toda essa tensão, são o emblema em torno do qual orbitam os acontecimentos do livro.

O desfecho deixa a questão proposta por Jorge Amado no início do livro mais inquietante, porém melhor definida: a simpatia pelos despossuídos parece mais o início de uma jornada, talvez um convite ao leitor, ainda que mais provocativo do que teoricamente embasado a questionar-se acerca da realidade desses trabalhadores.

O livro é de leitura rápida e traz uma narrativa deliciosa, que desenvolve os elementos que viriam a se afirmar de maneira mais segura nos romances posteriores de Jorge Amado, revelando senão um embasamento teórico mais sólido, ao menos uma percepção social afiada.

AMADO, Jorge. Cacau. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.