O mais novo laureado com o Nobel de Literatura foi lembrado por sua “cartografia das estruturas de poder”, o que não impede que, para tanto, ele tenha usado de uma verve mais cômica em sua literatura. Pantaleón e as visitadoras é um exemplo disso.

O romance, publicado em 1973, conta a história de Pantaleón Pantoja, um oficial do exército peruano que, devido a sua conduta impecável e vida regrada, é designado para uma tarefa nada convencional: aliciar prostitutas para aplacar a virilidade das forças armadas, já que essa enfrentava duras críticas e muitas reclamações por conta de soldados abusando de mulheres nas proximidades dos quartéis.

Esse inusitado plot abre espaço para que Llosa desenvolva situações surrealmente absurdas. Pantaleón Pantoja é de fato um militar exemplar, cuja exatidão e perfeccionismo beiram a insanidade, aliada a isso a cumplicidade dele em relação ao dever o leva às mais inimagináveis situações.

Transferido do quartel onde morava com sua mulher e sua mãe para Iquitos, cidade conhecida por suas visitadoras, Pantaleón é obrigado a andar a paisana para manter a discrição quanto a sua missão e sua ligação com o exército.

Acontece, porém, que a SVGPFA (Serviço de Visitadoras para Guarnições, Postos de Fronteira e Afins) se torna a mais estruturada e bem sucedida divisão das forças armadas, contando com várias visitadoras, cronogramas, prazos e transportes organizados e definidos em seus mais ínfimos detalhes. Pantaleón chega a cronometrar uma relação que tem com sua mulher e provar produtos afrodisíacos para otimizar a organização do serviço.

A logística alcoviteira que Llosa desenvolve no livro é muito engraçada, e o autor não mede esforços para leva-la às mais improváveis veredas. A forma como a narrativa se estrutura é também um dos pontos mais interessantes do livro, já que Llosa narra as rocambolescas aventuras de Pantaleón através de relatórios, ofícios, cartas, documentos entre outros artifícios, que permitem que a história tenha andamento a partir de múltiplos pontos de vista, costurados por alguns capítulos com narração em terceira pessoa, em que se misturam duas ou três narrativas simultaneamente.

Os parágrafos entrecortam-se sem avisos prévios e diálogos são travados ao mesmo tempo, deixando o ritmo da história mais acelerado e recheado de peripécias e situações-limite.

O ataque à pretensa virilidade exacerbada dos exércitos é provavelmente reminiscência dos tempos de recruta de Mario Vargas Llosa, cuja experiência não parece ter sido nada apreciada pelo autor. Porém, justamente por isso, o livro traz uma visão meio deturpada sobre a pretensa “lubricidade tropical”, uma espécie de exotismo que exagera nas cores.

Mario Vargas Llosa consegue juntar ainda à trama um pano de fundo de messianismo, em que a Irmandade da Arca, uma espécie de congregação clandestina que reúne muitos fiéis, e que é no livro uma preocupação constante do exército. Esses personificam os anseios de uma população que clama por mudança em sua condição de pobreza e que encontra algum alento nesse misticismo sincrético que congrega valores de crenças diversas, e cujo caráter de questionamento é enxergado pelas autoridades mais como sinais de subversão a serem combatidos do que sintomas de que algo não está direito.

Pantaleón Pantoja paga por sua demasiada eficiência, que tornou a SVGPFA a organização mais bem sucedida, mais questionada e mais criticada de todo o exército, atraindo para si os espetos da opinião pública peruana, alegando que tal serviço é uma obscenidade que desmoralizar as tropas peruanas.

Um livro diferente na estrutura e agradável na leitura, pela forma como usa termos técnicos e expressões do jargão da formalidade para tratar de temas-tabu ou mais conhecidos da informalidade cotidiana. Um livro com ritmo e espirituosidade, que abusa dos absurdos para fazer rir e satirizar os mandos e desmandos militares.