Ian McEwan criou uma galeria de protagonistas detestáveis e não só isso, pessoas de má índole que querendo ou não são anti-heróis marcantes em romances densos. No seu novo livro, Solar, lançado pela Companhia das Letras, o escritor britânico nos apresenta Michael Beard, um físico de meia idade e ganhador de um Nobel – que fará de tudo para acabar com os planos de um cientista para faturar dinheiro em cima e acabar com a vida de um inocente. O livro é dividido em três partes ambientadas pelos anos em que decorrem os fatos e focando nos aspectos do presente do protagonista.

A vida pessoal do físico toma outros rumos ao descobrir que Patrice, sua mais nova mulher, o está traindo com um pedreiro. Entretanto, ele que já fora casado diversas vezes, teve diversas namoradas e amantes e nenhum filho, não aceita a traição e tenta racionalizar a situação, pois como alguém do seu nível intelectual é trocado por alguém de baixa inteligência e tamanha musculatura como Rodney Tarpin?

Diferente dos seus últimos romances, a carga emocional e densa desse exemplar é dosada com momentos de humor – muitas vezes o politicamente incorreto – graças aos pensamentos e a vida de Beard, que se mostra desprezível a cada página. Através da racionalização do protagonista, McEwan faz o leitor mergulhar dentro da mente de seu personagem, mostrando seu lado asqueroso e nojento – sua pretensão e chauvinismo.

A história ganha mais um arco quando o velho físico descobre que Patrice tem um segundo amante, o jovem físico Aldous, que ao ser descoberto tenta persuadir o personagem a esquecer a rivalidade e juntarem-se para criar a nova fonte de energia renovável a partir de suas idéias.

Com uma ironia do destino, – recheando grande parte do livro com bastante suspense e, acreditem, situações que beiram ao hilário – Aldous tropeça num tapete de urso polar e acaba falecendo. Esperto, Beard remonta a cena para que tudo pareça um assassinato. Crime esse, cometido supostamente pelo outro amante de Patrice. Agora é evidente que Michael Beard é frio e calculista.

O anti-herói rouba a ideia do falecido para ganhar destaque novamente da mídia que o havia esquecido por duas décadas. É claro que ele não dará crédito para ninguém, apenas para seu ego e assim ser reconhecido como um visionário.

McEwan cria outras situações engraçadas e constrangedoras para conceber esse anti-herói que gera asco nos leitores (principalmente nas leitoras). Ninguém ligará muito para o aquecimento global, apenas para que Michael Beard seja desmascarado por suas traições e crimes.

E todo o entusiasmo (engraçado e despretencioso) gerado pela primeira parte do livro perde fôlego nas outras, ficando estagnado e em contínua repetição sobre os hábitos do seu personagem principal. No entanto o leitor já será sugado pela antipatia – involuntariamente cativante – que criou em cima do protagonista e terminará o romance com certa insatisfação.