Sou um leitor intrigado com o Prêmio Nobel. Confesso isso de cara para que os que ainda não perceberam me perdoarem essa idéia-fixa de saber mais e mais sobre os laureados, suas obras, os motivos que levaram sua premiação, seu estatuto de clássico, seu reconhecimento, seu valor histórico-literário, sua herança para a Literatura Universal etc. Isso realmente me intriga e encanta, e me faz querer cada vez mais saber sobre qualquer coisa que se refira a láurea do ilustríssimo senhor Alfred Nobel.
Bom, o livro em questão é Babbitt, um romance publicado em 1922, de autoria de Sinclair Lewis, laureado com o Nobel em 1930, que, segundo reza a lenda, teve fortes razões políticas, já que com a premiação, a Academia Sueca pretendia mostrar que não tinha ressalvas quanto à literatura americana, acolhendo-a ao cânone do velho mundo de bom grado.
De qualquer forma, a atribuição de um Nobel não se guia somente por preocupações diplomáticas ou pretensões políticas, mas também por quesitos literários, que são perceptíveis na obra de Lewis. Babbitt encerra os feitos literários do autor quanto ao estilo, e George F. Babbitt, protagonista que dá nome ao livro, é um exemplo de personagem bem lapidado, característica do autor lembrada pela Academia Sueca.
Babbitt é um homem de meia idade que possui, juntamente com o sogro, uma empresa imobiliária. Ele tem esposa e três filhos e vive durante a bonança dos anos 20, (porém de forma diferente da agitada vida social de O grande Gatsby) galgando ao longo do livro os degraus do sucesso e convivendo com as glórias e as dificuldades da vida de business man.
O dia-a-dia na imobiliária é monótono e às vezes aparece como um verdadeiro tormento para Babbitt, que da mesma forma que não vê atrativos no trabalho também não os encontra em casa. Essa vida regrada e pontuada pela diligência laboriosa da rotina e pela escravidão ao trabalho, o acabrunha e impele rumo a uma constância exagerada, de um moralismo tipicamente burguês já na dinâmica capitalista do século XX, em plena modernidade.
Assim, desenha-se um dilema praticamente universal: trabalho x vida particular, o qual assola Babbitt e torna sua vida uma sucessão de desgostos e amarguras. O ambiente opressor, representado tanto pela casa como pelo escritório tolda a visão do protagonista e o arrasta para o universo masculino dos clubes e das reuniões de negócios, bem como os eventos sociais das sociedades empreendedoras em suas elegias ao “poder semi-divino que repousa sobre os ombros capazes dos empresários”, tidos como os pilares mais fundamentais da sociedade norte-americana.
Sinclair Lewis consegue agregar a biografia de Babbitt uma série de outras questões, explorando na biografia do empresário imobiliário a multifacetada vida que ele leva: negociante agressivo e desleal; pai de família frustrado com os rumos que as vidas de seus rebentos tomam; marido com intentos de divórcio latentes; mas, apesar de toda essa estrutura em que está agrilhoado, um espírito que busca a liberdade, a felicidade e uma tranqüilidade maior para poder curtir melhor sua existência.
O mérito do livro não está na ação nem em descrições primorosas de caracteres psicológicos ou discussões transcendentais; mas na biografia interessante e esclarecedora de Babbitt, que deslinda para o leitor o espírito de uma época e uma mentalidade torpe que infelizmente nos chega, mais ou menos modificada, até hoje.
Na sua rotina extenuante e monótona, Babbitt enfrenta fantasmas e tenta enveredar por outros caminhos, pelo estabilishment ou contra ele. Os desdobramentos de suas investidas estão por todos os cantos de sua vida, deixando transparecer quão amarrado a essa realidade ele está.
Os sofrimentos e as alegrias de Babbitt evocam a frágil, porém obstinada tentativa humana de vencer os empecilhos que se avolumam no seu caminho, criando assim um panorama rico dos anos 20, das mentalidades e modus vivendi do empresariado e dos grupos beneficiados pelo capitalismo sem perder as virtudes do olhar crítico a essa realidade, deixando escondidas em cada linha os absurdos, os excessos e os problemas dessa sociedade que, até certo ponto é universal.
George Babbitt é uma emblemática figura, pois é a evidência de um modo de vida que dominou a opinião pública norte-americana dos anos 20 cujos ecos reverberam ainda hoje como verdadeiros pilares do capitalismo: os empresários e business men. A ação deles sobre a realidade é vista pela sociedade norte-americana como algo heróico, louvável, que deve ser divulgado e comemorado a todo o momento para espantar o “fantasma comunista” que passara a figurar na pauta de preocupações desse grupo desde 1917.
A passagem do século XIX para o XX desenvolveu o ambiente urbano norte-americano, gerando as cidades grandes e transformando as relações capitalistas, levando-as a outro nível. Esse processo acelerou-se com a posição privilegiada que os Estados Unidos passaram a ocupar depois da Primeira Guerra Mundial, tornando-se credores do mundo. A euforia dos negócios e da prosperidade econômica contaminou a sociedade americana criando sociedades civis de estímulo ao crescimento econômico, ao comércio, a indústria etc. Babbitt se insere justamente nesse contexto.
O american way of life, “fenômeno” que começava a se desenvolver nesse período (e que se consolidaria mais efetivamente pós-crise de 29 e pós-Segunda Guerra Mundial), apresentava contradições e elevava ao patamar de gurus e guias esses empresários que investiam e representavam a ganância e o empreendedorismo capitalistas. Dessa elevação criavam-se modelos de conduta, comportamentos e pressupostos ideológicos no mínimo questionáveis.
Um exemplo disso, que Lewis consegue captar com uma sensibilidade de admirável sutileza é o pensamento desse grupo acerca da formação intelectual e acadêmica dos jovens. O filho de Babbitt, Ted, vê como perda de tempo o estudo de arte, literatura e outros estudos de cultura porque não tem aplicação prática na carreira empreendedora que assoma em seu futuro, ao passo que é apoiado pelo pai, que, por sua vez, encontra eco desse posicionamento nos grupos nos quais participa.
Essa visão empobrecida e tacanha do mundo como uma mera jornada em busca do lucro acima de tudo, que ignora a riqueza cultural da humanidade e se vangloria de não “perder tempo” com qualquer conhecimento que não tenha aplicação prática direta e imediata na sua vida limitada de empresário, é atacada por Sinclair Lewis com sutileza e graça, chegando a alguns absurdos de vez em quando para trazer a tona a imbecilidade de algumas concepções acerca da vida, da humanidade e do mundo.
Os grupos de empresários dos quais Babbitt participa (verdadeiras confrarias para vangloriarem-se), como os Boosters, por exemplo, apresentam contradições que Sinclair Lewis explora, às vezes muito timidamente. Uma delas é o fato de terem-se como arautos do progresso e do desenvolvimento ao mesmo tempo em que sustentam uma mentalidade arcaica, que instrumentaliza a realidade em seus mais diversos aspectos para servir seus projetos individuais como se eles representassem os anseios da sociedade de forma geral.
A mentalidade arcaica chocando-se com os pressupostos capitalistas encontra no romance um lugar privilegiado, porque consegue descortinar ao leitor a forma como a sociedade se organizava, sob quais preceitos e como esse jogo de especulação era praticado. Vale lembrar que essa especulação culminará na famosa crise de superprodução cujo marco é o crack da Bolsa de Nova York: a Crise de 29.
A superestima por esse grupo, que relega a segundo plano quaisquer outras classes ou ideologias, se encontra registrado até mesmo no nome da cidade onde Babbitt mora: Zenith, o ponto mais alto, o topo, o ápice, o pódio, o lugar dos vencedores.
Sinclair Lewis pode ter sido tímido ao adentrar nos domínios onde predominavam esses grupos, mas conseguiu traduzir literariamente uma mentalidade que se mantém atual, e que ajuda a entender, através da elegia absurda com sutis toques de sátira as contradições dos discursos e de nossa própria realidade, proporcionando-nos um mergulho profundo na história sem que ao fazer isso estejamos desvinculados do presente.
O romance mais sensacional da década de 20, Babbitt.
Não sou entusiasta do “Babbitt” como você, penso que é um belo livro, que traduz satiricamente o “homo empresarius” exacerbando nas suas características tacanhas de esperança na realização material e na escassez espiritual.
Acho que tendo Edith Warthon, Theodore Dreiser, F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway no hall da fama da “geração perdida”, com livros como “Idade da Inocência”, “Uma Tragédia Americana”, “O Grande Gatsby” e “Adeus às Armas”, respectivamente, fica difícil deixar “Babbitt” em tamanha proeminência.
Eu atualmente estou fazendo a minha enésima leitura de Babbitt. Já perdi a conta mesmo. É um livro divertido, saboroso, aparenta ser uma leve e simples comédia. Só que, por trás de todas as situações engraçadas vividas pelo protagonista, revela-se uma vida de frustrações e tristezas, de uma pessoa que está atolada até a cintura em uma forma de viver da qual não consegue sair. Os americanos contemporâneos de Sinclair Lewis não o apreciavam, certamente porque ele expunha todas estas mazelas ocultas da sociedade norte-americana da época, marcada pela pressão do sucesso a qualquer preço (nisso parece não ter mudado). Já li também O Figurão – Gideon Planish, do qual também gostei. Fica a sugestão para quem ainda não leu.
Gostaria de recomendar a leitura da coleção Prêmios Nobel da editora Opera Mundi. 60 edições publicada nos anos 70. Conta com historia de como autores foram escolhidos, e de quem concorreu com ele. discurso na ocasião da premiação. breve biografia do laureado.
Estou lendo este livro, para quem gosta de satirizar a vida norte americana e com ela os produtos importados por nós , os brasileiros.
Jarbas