Se a Taize de cinco anos atrás visse a notícia “Apps de resumo prometem ‘um livro em 15 minutos’ e ganham força no Brasil com best-sellers”, ela espumaria de raiva. Todo leitor, acho, embarca nesse mundo da leitura achando que o livro, como conteúdo e objeto, é algo intocável, sagrado, que deve ser apreciado em sua completude. Ainda bem que, conforme envelhecemos, ganhamos também bom senso – quer dizer, tem o caso do velho da Havan, né…
Nessa semana, li essa mesma notícia e pensei: “maravilhoso”. Obviamente que ainda prefiro ler um livro inteirinho, de cabo a rabo, mas uma coisa que admiti nos últimos anos é que meu tempo é curto e precioso, e nem tudo precisa ser lido por completo se você já compreendeu o cerne da coisa. Isso pode parecer um discurso contra a leitura, mas juro que não é.
Engraçado que pensei nisso, e logo saiu o texto da Lu Thomé aqui no Posfácio sobre falar dos livros que não lemos. Da primeira vez que ouvi falar desse livro do Pierre Bayard, fiquei revoltadíssima. Mas, como a Lu bem coloca, tratar o livro com esse desprendimento é tirá-lo do lugar sagrado que costumamos colocá-lo, torná-lo algo mais mundano, corriqueiro, próximo da gente.
Não sei vocês, mas eu sou uma pessoa que odeia obrigações. Odeio a obrigação de ler um livro ou até de terminar um livro. Isso me tira toda a vontade de continuar a lê-lo, e ele se torna estafante. Poder não ler alguma coisa traz um sentimento libertador, e de forma alguma estou deixando de incentivar a leitura por isso. Ainda posso recomendar para outras pessoas mesmo sem ter lido tudo, mesmo se meu único contato com o livro foi um texto sobre ele ou um resumo dele.
Os apps citados na notícia têm propostas bem definidas: são resumos de livros de não ficção para quem tem pouco tempo para ler tudo ou até quem quer dar uma olhada no livro antes de decidir se vai ler ele inteiro ou não. Uma equipe é responsável pela leitura completa desses livros e pela seleção dos trechos que vão compor o resumo – tirando o que tem de excesso, as encheções de linguiça, oferecendo uma versão enxuta, mas que abarque na totalidade o tema discutido, com início, meio e fim. Achei isso simplesmente maravilhoso.
Não gosto do discurso de que esse tipo de serviço ajuda a produtividade. Sou bem contra a necessidade de ser produtivo o tempo todo. Mesmo assim, ao mesmo tempo, enxergo esse aplicativo como uma possibilidade de ter contato com uma obra o bastante para decidir se vou querer empregar mais tempo nessa atividade, se vale a pena ou não.
A falta de tempo é uma realidade. Aliada à quantidade absurda de informação a que somos expostos hoje, ela se agrava. Queremos ver séries e filmes, ouvir música atentamente, ver exposições, peças e novelas da Globo, acompanhar as últimas tretas do Twitter… É muita coisa para absorver. É muita coisa exigindo nossa atenção. Sinceramente, não sou obrigada a ler tudo ou saber de tudo. Posso dar aquela olhada por cima, absorver o contexto e seguir em frente. Se ficar mais curiosa, aí sim me embrenho na leitura aprofundada. E, acredite, quando algo chama a minha atenção, vou passar horas e horas dedicada a isso.
O que me leva a outra questão importante: o spoiler. Eu amo spoiler. Eu vivo do spoiler. É o spoiler que me faz querer consumir algum produto de entretenimento. Quando falam muito de alguma coisa, mas não me descrevem o que acontece, fico sem vontade. É como Bacurau: todo mundo elogiou, todo mundo falou que tenho que ver, mas ninguém se prestou a me contar o que acontece de interessante no filme. Assim, continuo sem ter visto.
De novo, esse texto pode parecer um ataque contra os livros, mas não é. A gente se sente mais inclinado a ler quando tem um incentivo que não está preso à necessidade ou à obrigação de ter que ler tudo. Claro que a leitura resumida ou até abandonada pode esconder alguns insights interessantes e mudar toda a sua percepção sobre uma obra. Porém, sinceramente, nem eu, nem você, nem nenhum outro colaborador desse site precisa ter uma opinião formada e decidida sobre todos os livros lançados na face da Terra. Ou filmes. Ou séries.
Fica aqui o apelo pela liberdade de ler e não ler. De ler um pedaço, de ler tudo ou de não ler nada.
Taize Odelli, de Witmarsum (SC) para São Paulo (SP). É autora do blog rizzenhas.com e tem uma coluna na newsletter ADSC – Associação dos Sem Carisma. Tem três gatos e milita pela popularidade da capa de edredom.
Concordo com tudo… e também amo um spoiler.
Parte de mim concorda e acha lindo tal liberdade. Mas a parte conservadora de suéter, caneca de café na mão e um colar de pérola falso da feira hippie acha triste pelo movimento “enxuga” que fomenta a ansiedade do tudo e do agora. As coisas que nos impactam vem com o tempo, com a construção e, também, com o passar de páginas.