Uma das séries de televisão de maior sucesso nos últimos anos, Lost tratou de paradoxos temporais em pelo menos duas de suas temporadas. O estrondo provocado pela produção abriu, com certeza, a mente de muitas pessoas sobre teorias científicas complicadas sobre viagens no tempo, alterações na linha de vida da Terra, formas de interferência temporal.

Vivemos em um mundo hoje mais dado às descobertas científicas do que o de Isaac Asimov. Nos anos 40 e 50 do século passado, quando viveu sua fase mais prolífera na literatura, o autor e a sociedade se deparavam com limites bélicos da tecnologia. A física nuclear era estudada não para gerar energia ou servir como propulsão de naves como submarinos e mesmo foguetes, e sim para causar uma destruição nuclear. Eram feitas as primeiras observações sobre viagens estrelares, a existência de vida alienígena, o estudo da robótica etc. Tudo o que um autor teria como base para criar seria sua própria mente, sua inventividade. Quais os efeitos de uma guerra nuclear? Como seriam os alienígenas, os planetas de outros sistemas? Os robôs teriam poder de criar inteligência e vida própria por si próprios?


Como é possível uma viagem temporal? Este é o tema de O Fim da Eternidade, que dizem ser o melhor romance escrito por Asimov, em 1955. O que foi conto rejeitado muitos anos antes por um pulp norte-americano acabou se tornando uma obra seminal, de certa forma um prólogo à duas séries do autor: Fundação e Império Galático.

Na história, uma sociedade que na Eternidade trabalha para alterar pequenos fatos no tempo, gerando benefícios para toda a humanidade ao longo do futuro. Nada muito grande. Um copo movido um metro meio à esquerda, que cai, se quebra e atrasa o infeliz protagonista da ação por meia hora. Um carro não bate, um cientista morre e um remédio é criado. No ano 3000, uma nave espacial explode e os humanos decidem não ir mais longe no espaço, evitando confronto alienígena e à extinção.

É mais ou menos essa a vida do Técnico Andrew Harlan, que precisa executar essas alterações enquanto seus “fisioanos” passam. Louvável, apenas pelo fato de que para ser Técnico é exigida uma frieza que afasta o ser humano de qualquer emoção. Senão, como ele poderia jogar com a vida de bilhões, talvez sua própria família, ao longo dos infinitos séculos do Tempo?

E o que melhor para trair um bom trabalho do que uma mulher? Mulher e cerveja, talvez? Na Eternidade não havia a bebida, mas Harlan se deparou com Noÿs Lambert, uma habitante do 482 (Os Eternos são simples aos se referirem aos séculos. Para um ano quebrado, 1930 por exemplo, o uso correto na Língua Intertemporal Padrão). Suas roupas transparentes, decotadas, seu cabelo arqueado como o de gregas, e sim, cacheado – todos elementos tradicionais da cultura daquele século, nada fora do comum, como explica Asimov -, foram demais para o Técnico.

Mais ou menos como sacerdotes, o povo da Eternidade se mantém casto, justamente por essa afetação no padrão emocional. No começo, Harlan não se importa no cotidiano com a mulher, mas ao descobrir que ela será totalmente apagada em uma Mudança, passa a lutar contra a própria Eternidade por amor.

Asimov, como é de sua característica, trata com simplicidade do tema, evoluindo conceitos aos poucos, para não “fritar” a cabeça de leitores menos acostumados a este tema. O grande gancho é o amor, como num romance comum, que distância a obra da, às vezes, frieza da abordagem tecnológica. É nessa simplicidade literária que ele aplica o maior trunfo da obra, o estudo de paradoxos.

Se para alguns, é impossível voltar no tempo e assassinar seu próprio avô, já que você nasceu e voltou – a arma falharia, por exemplo; outros indicam que uma pequena alteração geraria sim uma completa mudança na realidade. É através do estudo destes paradoxos que a Eternidade trabalha, no que se descobre ao longo do romance, em uma assepsia cirúrgica.

Falando da edição em si, a Aleph mostrou ótimo trabalho na obra, como vêm fazendo constantemente com sua linha de ficção científica. A capa, com fio prateados em fundo preto, e letras rosas enormes, é linda. A orelha foi, pelo menos por aqui, resistente às 256 páginas da publicação.

Embora ainda esteja engatinhando, a linha parece ter público fiel e tem tudo para ser sucesso como são os romances de Stephen King publicados pela Objetiva, por exemplo. O exemplar que eu adquiri de O Fim da Eternidade é de sua segunda reimpressão, feita três anos depois da original, em 2007, o que demonstra sucesso.

Sobre estar engatinhando – e para não deixar o assunto no ar como crítica infundada -, a Aleph terá trabalho para trazer tantas obras de Asimov (como as séries dos Robôs, ou a própria Império Galático), e para terminar a publicação da série Barsoom, cujo o primeiro de onze romances, Uma Princesa de Marte, foi lançado em meados de 2010. Pode-se limitar aos três primeiros, focados em John Carter, mas sabe como são os fãs (e os nerds que trabalham nestas editoras).

Em resumo: O Fim da Eternidade é uma ficção científica que todo mundo deveria ler. Nem que seja a única digerida em toda a vida.

Sobre o autor: Artur Tavares é um dos diretores da HQM Editora, responsável por trazer Os Mortos-Vivos (Walking Dead) para o Brasil. Divide seu tempo livre entre as histórias em quadrinhos, textos para a página Jovem do iG e a produção de um programa mais ou menos sério na MTV Brasil. Você pode encontrá-lo no @arturem e Facebook.

ASIMOV, Isaac. O Fim da Eternidade. Editora Aleph. Tradução: Susana Alexandria. 256 págs. Preço sugerido: R$38,00