No início da história do Rio de Janeiro, no ano 1567 após a expulsão dos invasores franceses, o governador Mem de Sá decidiu pela mudança da cidade, então situada na entrada da baía de Guanabara, para o Morro do Descanso (mais tarde Morro do Castelo) que, devido a sua localização geograficamente estratégica, em um plano mais alto, permitia aos portugueses ter uma vista privilegiada de toda a extensão da baía.

No morro foram construídos prédios importantes que abrigavam os órgãos da administração pública municipal como a Casa da Câmara e Cadeia, a Casa do Governador; ali também foram instalados a igreja da Sé, o colégio dos jesuitas  e o convento dos Capuchinhos.

Após a expulsão jesuítas do Brasil, em 1759 por determinação do Marquês de Pombal, ganhou força a lenda de que o prédio dessa ordem religiosa possuía galerias secretas que serviriam de esconderijo para tesouros como baús lotados de pedras preciosas e estátuas de santos e apóstolos feitas de puro ouro.

Em 1905 iniciou-se a destruição de parte do Morro do Castelo para a construção da Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco) em pleno centro do Rio de Janeiro e, para surpresa geral, durante as obras de construção da avenida, um dos trabalhadores descobriu a entrada de uma galeria no Morro do Castelo.

Nesse mesmo ano, Lima Barreto (então com 24 anos de idade) trabalhava no jornal O Correio da Manhã e nele publicou um folhetim intitulado “O Subterrâneo do Morro do Castelo” no qual misturava texto jornalístico com novela folhetinesca e descrevia a descoberta da galeria, o que lá foi encontrado e ao mesmo tempo narrava uma história de amor, traição e violência envolvendo a aristocrática D.Garça, seu amante Jean (antes um marquês na corte francesa e agora um padre jesuíta) e François Duclerc, comandante da expedição de Luís XIV que invadiu o Rio de Janeiro no século XVIII.

Foi o primeiro texto de Lima Barreto a ser publicado e acredito que seja de interesse tanto para o leitor que nunca teve contaqto com a obra do autor carioca como para aquele que  já o conhece através de livros como “Clara dos Anjos” (o segundo e último folhetim que o autor escreveu) e “Triste Fim de Policarpo Quaresma”.

“O Subterrâneo do Morro do Castelo” (publicado pela Dantes Livraria e Editora) é um texto frágil sob muitos aspectos; seja pelos personagens que surgem de maneira meio atabalhoada, e que têm atitudes muitas vezes contraditórias; seja com as “situações e revelações bombásticas” que nunca se concretizam ou ainda pelo final abrupto.

São deficiências que, eu pelo menos, não saberia dizer se foram causadas pela inexperiência e juventude de Lima Barreto ou por imposições do jornal que publicava o folhetim e que, em 1909 quando da publicação do genial “Recordações do Escrivão do Isaías Caminha” (que trazia uma sátira ao diretor do Correio da Manhã, através do personagem Ricardo Loberant) não só demitiu o autor como impediu-o de colaborar com qualquer outro jornal da cidade por muitos anos.

Mas mesmo com essas deficiências, ainda assim “O Subterrâneo…” possui as qualidades que caracterizam a obra de Lima Barreto: as críticas aos governantes, o humor satírico (como a divertida sessão espírita na qual o engenheiro Paulo de Frontin descobre ser a reencarnação do Marquês do Pombal)  as crônicas sobre os tipos e a cidade do Rio de janeiro, e a narrativa coloquial porém com descrições compostas por frases belas e precisas como: “O reitor falava em latim. As sílabas destacadas da língua arcaica vovam pela sala com um estalido seco.”

Portanto, para os que desconhecem Lima Barreto “O Subterrâneo do Morro do Castelo” serve como um pequeno porém excelente prefácio à obra do autor (já que as obras posteriores são muito melhores do que esta). Para os que já o conhecem, além da curiosidade pura e simples vem a descoberta de que, apesar da juventude do autor e da limitação do gênero (folhetim) a genialidade do escritor já estava presente. Lima Barreto já era Lima Barreto então.

Sobre o autor:  Clara Vaitiekunas é paulistana, bancária, fã de Lovecraft e Tolkien porém lê, com o mesmo apreço, tanto Machado de Assis, Poe, Dickens, Saramago e Connan Doyle, como Stephenie Meyer e Stephen King. Também é, desde que se conhece, viciada nas revistas da turma da Mônica e das histórias de Patópolis criadas por Carl Barks.

DISCUTA ESSE ARTIGO NO FORUM MEIA PALAVRA