Imagine que escritores como Rimbaud, Juan Rulfo, J.D. Salinger, entre outros, sofrem de uma doença em comum, uma síndrome que os impede de fazer pelo que são famosos, uma enfermidade que os faça querer matar a arte de escrever, a doença que séculos ficou sem nome: Síndrome de Bartleby – nomeada em homenagem a Bartleby, personagem do romance Bartleby, o escrivão de Herman Meville, que chega num ponto da vida onde prefere não fazer suas tarefas.

Essa síndrome é o centro da narrativa de Bartleby e Companhia do espanhol Enrique Vila-Matas, publicado no Brasil pela Cosac Naify, e traduzido por Maria Carolina de Araújo e Josely Vianna Baptista. A história gira em torno do diário – que logo é apresentado como notas de rodapé sem texto – de um corcunda que resolve diagnosticar todos os escritores que sofrem do tal Mal, da negação à arte de escrever. Muitos publicaram livros e depois tornaram-se reclusos, outros chegaram a negar tanto o ofício da escrita que não chegaram a publicar nada.

O diário do escritor é um tentativa dele mesmo de encerrar um jejum de vinte e cinco anos sem escrever e, como esclarece logo de ínicio, foi uma pausa contrária ao que fazia Kafka escrever, ou seja, seu pai. Contudo, o fio dessas notas de rodapé exemplificam essa doença em muitos não-escritores, alguns aspirantes que não conseguiram mover-se para publicar algo que mudasse a literatura mundial por mais que sua inteligência ou sua escrita pessoal em diários seja um exemplo notável de como trabalhar com palavras. Não obstante, nosso narrador cita um vencedor do Nobel que perdera a vontade de escrever após o falecimento da esposa e cita também José Saramago como o antagonista de uma história onde Paranoico Pérez é o autor de várias ideias que lhe foram roubadas e agora está fadado a um sucesso inexistente. Nem mesmo Duchamp escapa do estudo com seus anos de fama inerte mesmo após anos de silêncio.

O tom de diário pessoal é perdido logo no começo tornando-se uma teia de comentários, citações e estudos do personagem principal, aparentemente seu silêncio está finalmente quebrado e ele que dizia que suas notas seriam sem textos, acaba criando uma narrativa fluente, as notas viram paragráfos, muitas vezes impágaveis, como quando encontra Salinger em um ônibus em NY e seu diário, uma novela. Claro que o autor, Vila-Matas no caso, não entregaria tão fácil o ouro e escalar um momento pessoal do personagem principal para explicar mais um autor nunca publicado e assim voltar a narrativa de diário ao livro.

Invariavelmente Vila-Matas cria dois pensamentos contantes na cabeça do leitor, a primeira sobre a situação de um escritor e suas criações e a segunda sobre o papel da literatura mundial. Em dado momento ele cita Schopenhauer:

Os maus livros são um veneno intellectual que destrói o espírito. Porque a maioria das pessoas, em vez de ler o melhor que se produziu em diferentes épocas, limita-se a ler as últimas novidades, os escritores limitam-se ao círculo estreito das ideias correntes, e o público afunda cada vez mais profundamente em seu próprio bairro.

Ou seja, após inúmeras especulações sobre o Mal, a cultura do Não, a literatura se perde em diversos momentos da história e não culpa os melhores escritores, os mais ativos, os mais eloquentes, de contrair uma Síndrome que os impede de escrever, uma falta de vontade repentina ou por julgarem que seu êxito (e fracasso) literário já foi alcançado e nada mais tem a escrever para as pessoas e para si mesmos.

A voz questionadora se entrega após citar um último caso da síndrome, e todas as suas anotações e sua história são suficientes para envolver do começo ao fim, mostrando que o fracasso pode ser apenas rótulo para alguns e o silêncio pode ser o triunfo ideal para outros. Seja como for, se a Síndrome de Bartleby não tem cura, muitos poderão contraí-la após anos de bons e maus usos do seu vírus: a palavra.