A princípio, pessoalmente, O labirinto da solidão (1950), livro de ensaios de Octavio Paz (1914-1998), me lembrou muito da proposta – bem como do livro como execução – de A conquista da América (1982), de Tzvetan Todorov. Em ambos os livros, a identidade do povo mexicano é a questão principal, sendo que suas raízes históricas, os povos asteca e espanhol, são o ponto de partida para a explicação dos dois autores. Mencionei esse mesmo sentimento a um amigo historiador, que comentou que não conhecia a obra de Paz – que de fato é menos conhecida que a de Todorov no Brasil –, mas que tinha uma crítica a respeito de Todorov: a dominação, acima de tudo, simbólica do espanhol em relação ao asteca seria a falha do estudo. No caso de Paz, acredito que essa análise não pode ser feita felizmente.

Para entendermos por que Paz não cai nesse possível erro de Todorov, precisamos pensar em uma diferença básica de formação, não só acadêmica mas também pessoal. Todorov, búlgaro, se formou como estudioso no auge do Estruturalismo francês, sendo, acima de tudo, um ensaísta na época em que o ensaio era o gênero máximo do pensamento europeu. Sua formação crítica se deu principalmente nas áreas da filosofia da linguagem, da história e da teoria literária. Já Paz, mexicano, filho de advogado que participou das lutas agrárias na Revolução Mexicana, iniciou sua educação nos Estados Unidos e, posteriormente, abandonou a faculdade de Direito no México, formando-se, acima de tudo, como escritor, na literatura e no ensaio crítico.

Apesar de os dois autores se ocuparem das humanidades, da literatura, nota-se que Paz, sendo mexicano, ligado a uma história recente de lutas sociais, teria inevitavelmente questões diferentes em mente ao escrever ensaios sobre a identidade mexicana. Enquanto Todorov se preocupou com o momento da “conquista” da América pelos espanhóis – e a consequente aniquilação dos povos locais –, o poeta foi além e buscou as razões da solidão do mexicano – que, segundo ele, seria o traço comum dos habitantes do país – em um “labirinto” histórico. Na primeira edição, de 1950, Paz se ocupa de toda a história até a Revolução Mexicana já estabelecida. Depois, em uma nova seção intitulada “Posfácio”, acréscimo de ensaios de um período histórico posterior, estuda as revoltas de 1968, contra a ditadura “revolucionária”, e volta-se para as origens, ao ponto de onde seu livro parte, bem como o de Todorov.

A sensação que fica é que em O labirinto da solidão a história do México não seria exatamente linear, como a nossa concepção de tempo, ou até mesmo circular, como a dos astecas, mas composta apenas da dialética negativa do mexicano, que nunca gera uma síntese própria. O mexicano se mantém através dos tempos como alguém indefinido, fechado em si, sem qualquer “solução”, como se fosse um ser traumatizado pelo choque cultural da “conquista” por parte do europeu que não consegue dialogar com o outro, esse fantasma presente tanto em Paz quanto em Todorov. Resta, portanto, ao mexicano apenas a solidão.

Percebe-se logo que, apesar da solidão ser a consequência em ambos os estudos, O labirinto da solidão demonstra que essa negatividade do indivíduo persiste ao longo da história do país. Assim como em outros lugares da América Latina, o México teve seus povos praticamente exterminados pelos colonizadores e depois se manteve em um período colonial de exploração do trabalho e supressão de identidade pela religiosidade cristã. Após a independência, o Liberalismo de ditadores como Porfirio Díaz foi determinante para estabelecer os latifundiários como continuadores capitalistas dos espanhóis. O camponês mexicano, sem terra nem alimento, é a imagem representativa desse povo sob contínua decadência, em que o culto à morte demonstra ainda sua vinculação com a vida, inclusive de maneiras artificiais. O culto da morte também é medo da vida (e a perspectiva de Paz não deixa a literatura de lado nessa análise).

Depois, a Revolução aparece sob diversas formas e ideologias, mas com a razão única de ser, o combate aos liberais e a instituição da reforma agrária para a constituição de uma nova sociedade. A revolução, ao longo do século XX, mostra-se como mera constituição de um poder institucional, burocrata, que continua a ver na Cidade do México o centro da nação e o local pelo qual a repressão do Estado será responsável pela manutenção do status quo. No chamado “posfácio” das edições mais recentes, o massacre da praça de Tlatelolco, marco da repressão máxima do governo “revolucionário” em 1968, aponta mais uma vez esse traço histórico autoritário do país.

No contexto latino-americano, a atualidade da solidão do mexicano é marcante nos ensaios de Paz. A supressão do outro por meio do poder, da autoridade, da tradição ainda é o mecanismo que determina as relações humanas nesse mundo de deformações culturais. O desejo do camponês mexicano parece ser sempre o de se firmar como um eu liberto, libertário, ainda que não saiba bem o caminho que poderá seguir. O desejo de se rebelar pela liberdade é, acima de tudo, o primeiro elemento constitutivo de seu sujeito.

Em entrevista de 1975, presente como anexo à edição da Cosac Naify deste ano, o autor reforça essa sua preocupação, à época da escrita, de tratar dessa tentativa dos povos marginalizados, periféricos, de tentar retomar a constituição de um sujeito sob opressão dos povos do “centro”. Sobre o método de análise histórica de Paz, o entrevistador também aponta algo observável nos textos: o mexicano, no caso, é a história, não está na história. Sua constituição metafísica (como “sujeito”) é determinante e determinada pela história ao mesmo tempo. Daí a Revolução Mexicana surgir de modo tão variado e inconsciente: a revolução se deu pela evolução do mexicano na consciência de si. Nesse ponto, o interesse de Paz por figuras como Emiliano Zapata em uma época em que ele mal era mencionado – o que também é citado em entrevista – vai para além da influência do pai: o zapatismo, que, para além de um movimento libertário, também é uma expressão do início de uma nova etapa do desenvolvimento daquela sociedade.

Em um período pós-stalinista, Paz busca entender, portanto, uma nação não pela história como instituição, como discurso anedótico baseado em uma suposta linearidade do tempo construída pelos donos do poder. A história do mexicano seria essa encruzilhada da solidão, essa impotência constante de tentar conviver com o outro não devido exclusivamente às suas origens, mas ao desenvolvimento incitado por aqueles que dominam os meios culturais e de produção econômica. Entre os Estados Unidos, potência supressora americana, os outros povos latinos, também suprimidos, e os oceanos, fontes de forças desconhecidas, o mexicano segundo Paz se debate em busca de ar para poder se sentir um pouco mais um indivíduo.