Um garoto não consegue entender o que se passa na sua família, nas mudanças que todos almejam e tão pouco compreende a censura de alguns familiares para os hábitos de seu avô, considerado o libertador da nação albanesa, que passa suas tardes na espreguiçadeira fumando cachimbo e ouvindo os violinos dos ciganos. Vivendo na ambivalência de um estado que está mudando aos poucos de um lado para o outro através do domínio russo.

A Albânia já foi ocupada pela Itália e pela Alemanha na Segunda Guerra Mundial, a transição tratada nesta obra é a saída da nação de Hitler e a entrada da Rússia de Stalin através da eleição de Enver Hoxha, que ficou até 1985, do partido comunista. Ismail Kadaré, o autor, presenciou essas transações e traz nesse conto “extendido” a história narrada por um garoto que sabe que algo muda, mas não sabe exatamente o que.

Uma questão de loucura é um livro sobre a visão infantil em relação aos acontecimentos que podem transformar uma nação inteira, ou seja, sobre a grande imaginação pueril em criar uma visão amenizada sobre os rumos políticos. Todavia, Kadaré conta essa história, com traços autobiográficos, sobre inversão de valores através dos olhos de sua criança, mas sem perder o clima melancólico e a capacidade crítica.

Um dos maiores ganhos dessa obra é o tamanho: um micro-romance que não prolonga uma história simples – afinal, ouvir uma criança contando uma história pode perder a graça depois de cinco minutos, os detalhes fantasiosos deixariam de ser interessantes e se tornariam pedantes e isso Kadaré sabe contornar muito bem. E as dúvidas levantadas: por que os membros do partido são clandestinos? Por que os tios do garoto não se conformam com a posição do avô? Por que diversos lugares aparentam ser um, por exemplo, um cabeleireiro é na verdade um escritório do partido?

O desfecho não poderia ser mais provocante, o tio que sempre repreendeu o avô por suas leituras, agora se deita na espreguiçadeira para ler um livro sem sentido, cuja língua ele não entende. O não entendimento é um estado de loucura ou de questionamento? Qual lado está certo? Seja qual for a resposta para tantas perguntas, o nosso narrador só deixa claro que a Albânia, enquanto Estado, é a pátria da loucura iminente e futura.