Quando lido, um livro de contos pode ser apenas textos curtos abordando diversos assuntos ou traçar diversas semelhanças entre cada um deles. Nesse último caso temos os contos de Saul Melo, Entre Sombras – lançado pela editora gaúcha Dublinense em 2010 -, que carrega narrativas curtas em clima taciturno, fantasmagóricos e, em contraste, extremamente belos ao retratarem um enredo ora comum ora hermético, oscilando entre lugares banais – como condomínios – até um poço metafísico.

Samba em Prelúdio é o conto que foge das reflexões e permanece mais em devaneios sobre a construção de um roteiro sobre um amor platônico que surge numa roda de violão. O personagem que não se identifica revela o que viria a ser real se a realidade estampada em manchetes de jornal não despertassem desse campo de amor ilusório.

Em O Rio do Esquecimento, temos uma bela história de duas pessoas, seres ou coisas que estão numa transformação cósmica entre o nada e o lapso quase como uma metáfora sobre o surgimento do universo – ou risivelmente apenas um simples relato sobre as águas – nessa ambiguidade o leitor se encantará com a bela concepção. Contudo, Relato Breve trata do desapego de um idoso com a vida querendo esquecer os modos convencionais de sociabilidade e finalmente se entregando a solidão, mas não sem antes se entregar a algo muito mais forte do que a presença física.

Nem todos os contos de Entre Sombras são sutis ou bonitos, um dos mais decepcionantes é Visão Feroz, que narra o cotidiano violento de uma cidade a partir do olhar superior de algum ser ou criatura – revelado ao final. Nesse conto em específico não existe um tato, a violência descrita não choca e muito menos abala o leitor. Quem acaba sem fôlego é a própria história. E não é privilégio apenas dele, O Poço – conto que abre essa compilação – perde-se em tentar exaltar os clichês sobre trevas e luz para escapar dos mesmos, mas acabando preso por procurar outra forma de expressar um desespero beirando o pueril. O mesmo ocorre com o conto que dá título ao livro.

Mesmo assim restam contos curiosos como O Deus dos Mares, em que a narrativa sai tangenciando o ar reflexivo gerando uma história crível e forte sobre um gigolô e aqueles que convivem ao seu lado. Catavento e Girassol é um conto espetacular à parte que segue a história do ponto de vista de um personagem e termina na voz de outro em uma situação posterior.

Entre Sombras consegue ser lido numa tacada só mesmo com os altos e baixos. Muitos contos farão o leitor retomar a leitura diversas vezes, por mais curto que seja, para contemplar uma ótima história, e em outros casos serão facilmente deléveis por querer ir a algum lugar e não conseguir força narrativa suficiente para tal.