Quantas pessoas em Cuba realmente gostam do governo e nutrem certa admiração para o partido de Fidel Castro? Quantas pessoas contam com orgulho os dias de revolução e de ajuda da URSS? Em certo momento a pergunta “E o Fidel?” vem a tona na narrativa do novo romance de Chico Mattoso, Nunca Vai Embora, sexto volume da Coleção Amores Expressos, lançado pela Companhia das Letras no começo de Maio. Essa pergunta é quase retórica, cubanos e moradores da ilha vindos de fora não respondem tal questão (a não ser com um silêncio completo seguido de uma risada abafada) ou mesmo refletem para responde-la. Através dessa simples citação é possível descrever os cubanos que Mattoso quer mostrar. Mais do que o país com uma história mundialmente conhecida de luta contra ditadura e, coincidentemente, ainda vive em uma e seus admiradores não são filhos de uma salvação, mas de um esquecimento e paranóia.

Os sentimentos são diversos, migrando de um lado para o outro, evitando uma descrição ilusória de Cuba ao enumerar os monumentos ou a situação do povo através dos olhos de um brasileiro, Renato Polidoro, um dentista frustrado que embarcou na aventura cinematográfica de sua namorada Camila. Antes de conhecer a namorada em seu consultório durante uma filmagem, Renato vivia à mercê de seu pai autoritário (também dentista) que não nutre um orgulho mínimo por ele desde a mais tenra idade. Ao conhecer a cativante e efusiva estudante que centraliza às atenções em si, o jovem dentista encontra sua salvação, pode falar de suas lamurias e traumas, sobre o quanto seu pai é terrível e sobre cinema. Após algum tempo morando juntos, Camila convence Renato a viajar com ela a Cuba e realizar o desejo recorrente de rodar um documentário em Havana.

O que era para ser o símbolo da liberdade de Renato o obriga a cair em parafuso, não sabendo analisar friamente seus sentimentos com Camila – que mais e mais está absorta em seu filme chegando a sumir o dia inteiro – e sua falta de interesse pela capital caribenha transformam qualquer lapso de pensamento numa gigante obsessão. Uma guerra prestes a explodir sem que ambos saibam porque estão brigando, o dentista crê ser pela falta de atenção da namorada, mas tudo que aparenta é que ele precisa de atenção e ser o centro do mundo de Camila – refletindo nela “esse defeito” de querer colocar o mundo no próprio umbigo. Nada melhora após Renato consumar suas ideias conspiratórias e ciumentas sobre a namorada ao conhecer Vladmir e Pablo, os dois homens que a ajudam nas gravações, e a Cuba particular do trio.

Renato não quer se libertar realmente, sua natureza necessita de alguém que o obrigue a realizar às coisas até certo momento para que depois ele mesmo se revolte em seguida, afinal todo o discurso sobre a tirania paterna é patética e infantil. Na é apenas em seu pai que o aprisiona, o condicionamento vem dele mesmo e esse comportamento é claro quando ele não consegue manter Camila como sua controladora e dona. Ela o deixa livre para fazer o que quiser durante as gravações dela por Havana.

Um dos pontos de virada é a briga entre o casal por uma crise de ciúmes e o desaparecimento de Camila que culmina na abertura de olhos de Renato. Quando o único laço que o liga com o Brasil se rompe é que ele consegue finalmente enxergar os cubanos, seus sorrisos, suas danças, sua alegria e sensualidade. A obsessão de Renato surge de pequenos defeitos que ele mesmo enxerga como qualidades como ser metódico e calculista – o oposto de Camila. Nunca Vai Embora tem nesses pequenos joguinhos de personalidade o seu grande trunfo, não apenas para descrever suas personagens principais, mas como a visão delas sobre a ilha se modifica. E será com a convivência verdadeira entre cubanos verdadeiros – aqueles que não fogem da realidade dentro de um quarto dançando e bebendo rum – que Renato aprenderá com personagens carismáticos, como Pepe e Fili, que o mundo não é justo e que Cuba não é apenas uma ilha, um espaço ou uma história de guerras no passado, são suas pessoas.

Nunca Vai Embora é o retrato as limitações que cada um constrói sobre si, entre buscas e autoconhecimento, orgulho e condescendência, obsessão e sexo, para descobrir em si mesmo os defeitos que projeta com aqueles que convive.