Quando comecei a ler o livro-reportagem Toquio Proibida, de Jake Adelstein, tinha a ingênua expectativa de me deparar com uma história que, de início ao fim, falasse sobre a yakuza. Talvez esperasse descrições de lutas com espadas, de preferência feitas por Hattori Hanzō e mafiosos frios e impetuosos, capazes de matar quem e quantos eles quisessem sem ao menos fazer esforço, vivendo em esconderijos totalmente fora do alcance da polícia e imperando com suas próprias leis. Tudo bem, minha visão não era tão Tarantiniana assim, mas com certeza carregava essa espécie de adrenalina e referencial. O prefácio do livro já dava a indicação de que eu poderia ser correspondida. Na primeira frase, uma ameaça: “ou você apaga essa matéria, ou apagamos você. E talvez a sua família também. Eles primeiro, que é pra você aprender a lição antes de morrer.”

Mas devo avisar que esse livro não é uma narrativa desenfreada sobre sangue, carnificina e yakuzas malignos com espadas e um clã de 88 loucos ao redor. Trata-se de uma leitura muito mais complexa e completa, mostrando um lado bem diferente da maioria dos filmes e quadrinhos que retratam o crime organizado japonês, mas nem por isso menos excitante. Tóquio proibida é uma leitura que fascina e ganha uma maior dimensão a cada página.

Adelstein é judeu americano que passou a morar no Japão, ingressou na faculdade de jornalismo e, formado, começou a trabalhar na sessão policial do Yomiuri, segundo maior em número de tiragem do país. Esse é o primeiro momento do livro, em que o autor se dedica a explicar, principalmente, como funciona o sistema de ensino e testes para se ingressar em um grande jornal. Como estrangeiro, Adelstein enfrentou dificuldades, conseguindo um feito raro ao entrar para aquela empresa. No entanto, esse só foi o primeiro desafio que ele teria que enfrentar.

Com esforço para aprender a língua oral japonesa, horas excessivas de trabalho sem folga, e muita esperteza para arranjar e proteger as fontes certas, Adelstein começa a galgar seu espaço no jornal, conseguindo alguns furos (e sendo furado algumas vezes) e uma ou outra publicação nas edições nacionais. No trabalho, aprende costumes e moral japonesa, retratados muito bem no livro. Além disso, o autor destaca sua evolução no idioma japonês, e como sentia que, por vezes, seu trabalho ficara pobre em escrita por não ter pleno domínio da linguagem. Destaca também como a profissão de jornalista pode ser um verdadeiro sacrifício no início, colocando em jogo relacionamentos e a própria saúde física e mental do ser humano.

Seu esforço e competência, no entanto, o levam de encontro com a yakuza, inicialmente prestando um serviço de informações para um chefe, que se encontrava em perigo. Até então, seu contato com a máfia japonesa era distante e rendiam matérias sem muitos detalhes. A partir desse momento, ele não só ganha uma fonte quente, mas também começa a entrar para um mundo de complicadas relações e dependências. Diferente do que se pensa, a yakuza está presente também em atividades legais, como por exemplo, o ramo imobiliário do Japão. A máfia coexiste com interesses políticos e de grandes empresários e não impera de forma totalmente independente. O autor explica como cada uma dessas relações se desenvolve. Não apenas isso, mas também narra suas relações de amizade com policiais, investigadores e até um ou outro yakuza “do bem”. Em meio a cada crime, o leitor revive a memória de Jake Adelstein.

Muito mais do que falar sobre a yakuza, Adelstein mostra as delicadas relações que eles mantêm com os jornalistas, políticos e policiais, além de fazer um apanhado cultural e econômico do Japão. Principalmente, é um relato de dedicação e muito trabalho que o autor teve que passar em seus 12 anos de cobertura jornalística, vencendo centenas de anos de tradição para sobreviver e se destacar.

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Título original: Tokyo Vice
Preço: R$53,00
Tradução: Donaldson M. Garschagen
Capa: Elisa v. Randow
Páginas: 456

 

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