Adaptar livros para o cinema não é nenhuma novidade, inclusive parece carregado de certo modismo nos dias de hoje. Porém, o filme adaptado nunca é uma cópia fiel do livro devido a uma série de fatores como estilo da narrativa, nível de detalhes, visão do roteirista e diretor, entre outros. Talvez o primeiro livro adaptado para o cinema seja Alice no país das maravilhas – Lewis Carrol – em 1903, um filme curto de apenas 8 minutos. Mas o fato é que desde então muitos outros títulos literários seguiram o mesmo caminho, sempre carregados pela discussão em torno das adaptações: “Esse filme é melhor que o livro?”. O que não se pode negar é a curiosidade que um filme adaptado gera em torno do título literário, seja para os cinéfilos pelo livro que originou o filme ou pelas traças leitoras e sua curiosidade acerca do trabalho do diretor e roteirista. Independente do motivo, nós preparamos uma seleção com nove indicações de livros que foram parar na telona.

Liv: Orgulho e Preconceito (Jane Austen, adaptação de 2005 por Joe Wright) – Ah, o amor! Nada mais bonito do que uma boa história de amor bem adaptada. Nesse caso, uma das histórias mais conhecidas e adoradas da literatura. Quem aqui nunca ouviu falar no Mr. Darcy? Certamente um dos personagens mais amados de Jane Austen. A adaptação de 2005 é estrelada por Keira Knightley e Matthew Macfadyen. Bastante fiel ao livro e até mais romântica em várias cenas, como o pedido de casamento no meio da chuva com direito à declaração de amor, fazendo derreter até o mais duro dos corações! Orgulho e Preconceito é um livro ótimo, que faz os corações apaixonados suspirarem desde 1813 e assistir o filme é uma ótima ideia para o dia dos namorados.

Luciano: Stalker (Irmãos Strugatsky; adaptação de 1979 por Andrei Tarkovsky) – Um clássico da ficção científica soviética, o livro dos irmãos Boris e Arkady foi transformado em filme por ninguém menos que o mundialmente conhecido Tarkovsky. Existem enormes diferenças entre o livro e o filme, é verdade. À primeira vista, as únicas coisas que se preservaram foram ‘a zona’ (uma área que sofre influência alienígena e tem uma série de regras físicas diferentes do resto do nosso mundo, além de objetos incríveis) e o objeto buscado (tanto no livro quanto no filme trata-se de algo que pode garantir desejos). Ao se olhar com mais atenção, porém, percebe-se que existem alguns detalhes menores em comum, como a guarda da zona, o nome do mentor do protagonista e o método utilizado para avaliar a segurança dentro da zona. Mas o que interessa realmente é que Tarkovsy não só fez um grande filme de ficção-científica , mas capturou com maestria o espírito da obra dos Strugatsky, mesmo com mudanças substanciais na história. Mesmo para os padrões russos (habitualmente mais lentos do que os filmes ocidentais), o filme foi considerado lento e pouco dinâmico, recebendo algumas críticas negativas. Tarkovsky replicou, porém, que só duas opiniões lhe interessavam: a de Bergman e a de Bresson.

Pips: A Rainha dos Condenados (Anne Rice; adaptação de 2002 por Michael Rymer) – O primeiro erro de uma adaptação – que é sequência de um filme de sucesso (Entrevista com o Vampiro, 1994) – é tentar juntar dois livros em um só filme. O que acontece é que não querendo explorar a vida de Lestat, os estúdios da Warner (que estavam prestes a perder os direitos de adaptação) juntaram a história solo do vampiro loiro com o terceiro livro d’As Crônicas Vampirescas: A Rainha dos Condenados (que tem momentos bons, mas muito momentos ruins). Com tanta história para se contar – diversos personagens, origens e mitologias, com a morte da protagonista Aaliyah antes do término das gravações, atores nada carismáticos e um romance terrivelmente forçado, A Rainha dos Condenados pode e deve ser considerada uma das piores adaptações da história (a trilha sonora é muito boa – referência ao livro O Vampiro Lestat, onde o protagonista monta uma banda).

Dindii: O Leitor ( Bernhard Schlink, adaptação de 2008 por Stephen Daldry) – O livro de Benhard Schlink, narra a história de Michael Berg, menino de 15 anos que se envolve por Hanna, vinte anos mais velha. A relação amorosa dos dois é mantida por encontros secretos e alguns rituais em que o garoto lê, em voz alta, livros para a amada. O fim do relacionamento é marcado pelo desaparecimento de Hanna. Sete anos depois, os dois se encontram em um julgamento de crimes nazistas.
A versão cinematográfica, dirigida por Stephen Daldry, mantém basicamente a mesma história e sequência de fatos do livro, sendo bastante fiel, apesar de não se aprofundar em alguns pontos (coisa já esperada). A diferença básica se dá pelo fato do livro ser narrado em primeira pessoa, no caso, pelo personagem Michael Berg, tornando a leitura muito mais pessoal e reveladora sobre os sentimentos, impressões e expectativas do garoto, do que o filme.

Lucas: Laranja Mecânica (Anthony Burgess, adaptação de 1971 por Stanley Kubrick) – Qualquer um que já tenha se aventurado pela prosa inusitada de Burguess não pode deixar de sentir diversos estranhamentos, dentre os quais se destacam os neologismos bizarros porém divertidos, e os condicionamentos do Tratamento Ludovico a que Alex é submetido. Kubrick, um dos grandes nomes do Cinema Mundial, soube conduzir com maestria a história de Alex e não se enredar pelas inúmeras expressões que Burguess criou (o livro conta com um glossário para ajudar o leitor a se situar). Kubrick valoriza, como bom cético e racionalista, a parte psicológica do livro, dando especial atenção ao método Ludovico e deixando transparecer o horror distópico de uma sociedade controlada, cuja ânsia de controle e condicionamento total produz indivíduos incapazes de terem uma vida ‘normal’. A violência, as cenas fortes e o mal estar permeiam todo o filme, deixando espaço para outras reflexões. Uma obra-prima!

Kika: A Rainha Margot (Alexandre Dumas père, adaptação de 1994 por Patrice Chéreau) – A Rainha Margot consta no limitadíssimo universo dos livros que reli. E é, já há uns bons 10 anos, o líder no meu ranking de boas adaptações para o cinema. Conta a história do casamento de Marguerite de Valois, católica com o Henrique de Navarra, protestante, evento marcado na história pela sangrenta perseguição huguenote, mais tarde conhecida como Noite de São Bartolomeu. O estilo europeu mais cru e sem pudores casa perfeitamente com a narrativa de Dumas, e as atuações de nomes como Isabelle Adjani, Daniel Auteuil, Vincent Perez e Virna Lisi e tantos outros dão o toque de ouro na produção. Livro e filme recomendadíssimos.

Anica: Reparação (Ian McEwan, adaptação de de 2007 por Joe Wright): O livro de McEwan tem uma enormidade de sutilezas que ao serem passadas para o cinema parecem que estão sob uma lente de aumento. Por causa do trabalho impecável de Keira Knightley, James McAvoy e Saoirse Ronan as palavras de McEwan ganham vida de forma bela, como se o filme fosse um quadro, vide a combinação do verde do vestido da personagem de Knightley contrastando com a escuridão na fatídica noite em que seu amor nasce e ao mesmo tempo é condenado. Ou ainda, o plano sequência formidável com a personagem de McAvoy chegando ao litoral destruído pela guerra. Tanto livro quanto filme conseguem arrebatar o leitor/espectador, com um desfecho tocante e maravilhoso.

Izze: A Rede Social (David Fincher, adaptação do livro Bilionários Por Acaso, de Ben Mezrich) – Não escolhi falar de A Rede Social, o filme-sensação-do-ano-passado, só porque ele foi essa sensação toda, com direito a indicação ao Oscar de melhor filme e algumas estatuetas devoradas. Acredito que ele merece menção nessa lista de adaptações justamente por ser bem diferente do livro de origem. Não da maneira como a maioria pensa, que diz que o filme estraga o livro, mas o contrário: David Fincher transformou o livro nada empolgante de Ben Mezrich em um longa muito bom. Mezrich prometeu polêmicas em Bilionários Por Acaso e decepcionou por conta da narração pouco convincente e branda demais para as expectativas dos leitores. E Fincher conseguiu trazer para o filme o que Mezrich prometeu, mas não fez. A trilha sonora contagiante, o roteiro bem estruturado com flahbacks e diálogos rápidos fizeram da história do fundador do Facebook algo interessante para se gastar duas horas assistindo sem cair no tédio em momento algum.

Palazo: Alatriste (Arturo Perez-Reverte, adaptação 2006 por Agustín Díaz Yanes) – O filme conta a história do espadachim Diego Alatriste (Viggo Mortensen) durante o século de ouro espanhol. Porém, adaptar os 5 livros da série em um único longa metragem não é tarefa fácil, e cabível de erros como a fraca sequência de lutas entre espadachins e a condensação demasiada de algumas cenas. Apesar disso, o filme de Agustín Díaz Yanes é de uma fotografia maravilhosa, retratanto a Espanha durante o século de ouro, que apesar da fortuna apresenta um aspecto de abandono e desolação. Viggo Mortensen está no papel de Alatriste, e assim como o restante do elenco todos transmitem na narração de ritmo lento, com poucos diálogos e que transmite todo o ar decadente da narrativa. Uma superprodução espanhol (24 milhões de euros), vencedora de três prêmios no festival de Goya ((Oscar espanhol – melhor direção de arte, melhor figurino e melhor design de produção.)), e que encanta pela retratação histórica impecável, pela bela poesia da época, pelas intrigas políticas e por ser um filme que surpreende pela beleza artística.

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