Um amor que nos é imposto desde o nascimento pode ser considerado um amor verdadeiro? Ou melhor, será possível para esse amor imposto, e “natural”, nos salvar de toda a desgraça que o mundo nos reserva, seja em períodos de guerras ou em paz plena? Um dos pontos mais fortes da narrativa de O Filho da Mãe, de Bernardo Carvalho, reside na questão entre abandono e encontro. O encontro de uma mãe e um filho desencadeia os mais diversos enredos dentro de uma mesma história ambientada numa guerra.

Esse segundo volume da coleção Amores Expressos, lançado novamente pela Companhia das Letras, tem como cenário São Petersburgo prestes há completar 300 anos. O autor constrói traços e manias russas verossímeis chocando com o deslocamento forçado que cada personagem se encontra. Zainap, uma senhora de mais de setenta anos, quer comprar a liberdade de seu neto, Ruslan. O garoto, órfão de pai e há pouco sem saber que a mãe estava viva, nota desde cedo que tragédia e amor estão intimamente ligados, quando, nele, afloram sentimentos por seu melhor amigo com quem vive um romance de faculdade. Do outro lado há Andrei, filho de mãe russa e pai brasileiro, obrigado pelo padrasto a servir no exército, onde se prostitui. A partir desses pontos, a narrativa de Bernardo de Carvalho mergulha no fruto de amores proibidos – Ruslan mesmo é filho de um romance clandestino assim como foi seu pai -, as perdas de cada um, as escolhas erradas e as que parecem certas.

A exploração de amor e culpa, exalta o quanto a vulnerabilidade de cada personagem pode ser atingida. Ninguém se sente seguro e não é uma paranóia em meio a Segunda Guerra da Tchetchênia, são sentimentos mal resolvidos e suas múltiplas identidades, culturais, partidárias ou sexuais – que nesse último caso servem como alimento para uma paixão bandida englobando corrupção, roubo e prostituição numa constatação antiga de Ruslan sobre ruínas, sexo e risco.

Os tempos e espaços, revelando pequenos pedaços do imenso quebra-cabeça, imbuem o leitor a persistir na leitura, na perseguição da relação entre mães e filhos. Os pais (sem generalização) são figuras ausentes ou tirânicas que pouco se relacionam com os filhos. Nesse contraponto, os relacionamentos forçados entre a parte materna e sua prole são mostrados, em grande parte, como um castigo e um fardo, não como uma benção. Zainap, em um de seus longos monólogos psicológicos, explica que nem sempre ao nascer a criança é amada e não é impossível se livrar de um filho antes de criar laços. Mesmo assim há o paradoxo na afirmação: “é melhor não ter um filho do que perdê-lo”.

Uma teia que se entrelaça e faz com que os personagens se encontrem para receberem seus castigos merecidos ou  a redenção. O Filho da Mãe se recusa a entrar em um texto cerebral, em muitos momentos cru e amargo, em outros consegue implementar um pouco de esperança na leitura de quem acompanha esses personagens – quase apagando a existência do cenário – demasiadamente humanos.