Lembra que prometi retomar o tema dos elogios nada módicos a Liberdade, de Jonathan Franzen? Eu devia desconfiar de que no Brasil se daria o mesmo. Mas o fato é que não acompanhei as resenhas e críticas feitas na mídia impressa – estava ocupado demais lendo eu mesmo o romance e construindo minha opinião sobre ele. Li apenas alguns textos na internet (alguns em inglês) que consistiam basicamente em baldes de água fria a respeito do livro. Criticavam o exagero das odes que afirmavam que ele tinha a pegada de um Paraíso perdido moderno e ponderavam que As correções (obra anterior do mesmo autor, relançada no Brasil em edição econômica) seria muito melhor.

Depois de descobrir que, em geral, o livro foi bem-sucedido em terras tupiniquins (e não apenas perante a crítica, pelo jeito – pelo menos é o que diz a lista de mais vendidos), fiquei um pouco mais tranquilo: a dissonância de opiniões serve ao saudável apontamento de que não há unanimidade e de que podemos persistir em nossa fé na literatura. Detestaria viver mais do que 113 anos e constatar que li o melhor livro do século ainda em 2011. Continuo esperando ser surpreendido por alguns de meus autores favoritos (isso mesmo: Sr. Galera, Sr. Carvalho, Sr. Murakami, Sr. Cunningham e Sr. Chabon, o recado está dado).


Outra coisa que li foi que o livro envelheceria mal. Antes de tudo, importa perceber que só depois de algum tempo esse juízo poderia ser feito (os argumentos de que isso já estaria ocorrendo não me parecem ser algo mais do que opiniões, nada definitivas). Além disso, o problema é próprio de quem se arriscar em analisar e descrever literariamente o que lhe é contemporâneo. Um risco que me interessa profundamente. Gosto de ler sobre décadas e séculos anteriores, admiro o trabalho de reconstrução de um tempo, visível na obra de tantos autores. Mas ao mesmo tempo apreciei a leitura de Liberdade pela coragem em caracterizar um tempo em que nada está propriamente definido (bate-bola, jogo rápido: Holocausto – Ruim; Ditadura – Ruim; Governo Atual – ?). Até porque espero que, no futuro, haja obras literárias que possam ser usadas para compreender como vemos nosso tempo, para além das eventuais compilações de humor stand-up (um gênero que não teme se tornar datado).

Volto (dessa vez definitivamente) ao tema para acrescentar uma vírgula à opinião de que “as grandes expectativas costumam ser prejudiciais”. Isso porque nem sempre vamos imediatamente atrás dos grandes livros, daqueles calhamaços que exigem certo preparo físico, ao menos dos membros superiores, para que sejam lidos dentro do elevador, no ônibus ou na fila do banco. Geralmente preferimos romances que não nos tomem muito tempo, às vezes porque não dispomos muito deste, às vezes porque queremos usufruir dum número maior de obras diferentes. Abandono novamente a primeira pessoal do plural, para indagar: se não soubesse de tudo aquilo que foi dito do catatau franzeriano, teria eu lhe dado prioridade ante os diversos volumes de 150 a 200 páginas que compro volta e meia? Teria eu chegado à página 500 e, diante da frase “A claridade que entrava pelas janelas se atenuou de repente, à passagem de uma nuvem de primavera.”, visualizado imediatamente a capa de Eliza v. Randow para a edição brasileira? Teria chegado à página 517 e me deparado com a bendita “propinquidade”, alvo de discussão entre o editor e o tradutor – o que tornou a passagem mais significativa?

Creio que, assim como eu, muitos leitores receberam o empurrão inicial do “O livro do ano, e do século” e não se arrependeram disso. E provavelmente ficarão tentados a ler outros livros de maiores dimensões. E, nessa busca, talvez percebam que há certa corrente que considera As correções (o romance que não precisava de nenhuma, segundo Michael Chabon… no sexto episódio da 18ª temporada dos Simpsons) um livro superior. E, finalmente, se alegrem com o raciocínio do tipo “Se eu já gostei para caramba de Liberdade, imagina como esse deve ser bom!” – e se sintam como uma criança que conseguiu guardar o melhor da sobremesa para o final.

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