Um dos momentos mais emocionantes de A ausência que seremos não está no livro e, sim, no apêndice discursivo de Héctor Abad no bate-papo que rolou em uma livraria aqui de São Paulo. Da mesma forma como existe uma sinceridade tocante e um amor incondicional pelo pai, Héctor Abad Gomes, impregnada nas páginas do romance-biografia em que Abad filho homenageia a memória de seu herói, através de histórias da infância, do convívio familiar, dos amigos e dos inimigos, a conversa com o autor é uma prova de todo o realismo sentimental que há dentro do livro.

O pai de Abad era médico e professor, defensor dos direitos humanos de igualdade social entre classes – lutava, em especial, pelo saneamento básico e educação da saúde para os mais necessitados. Em 1987, Héctor Abad Gomes é assassinado por paramilitares e seu filho encontra em seu bolso um pequeno pedaço de papel com um poema chamado Epitáfio, atribuído a Borges e que nomeia o romance. O assassinato permanece impune até os dias de hoje e não pode ser considerado o centro da trama.

Desde as primeiras páginas sabemos qual será o destino de Abad Gomes. Sua trajetória, dos seus filhos e do seu país é que tornam interessante, forte, sincera e violenta essa história. Narrada com extrema sensibilidade, vemos o amor incondicional entre pai e filho. Quebrando alguns paradigmas estabelecidos sobre o amor e a ligação quase sobrenatural entre mãe e filhos. Outro ponto forte é a declaração do escritor sobre o trabalho árduo que é escrever essas memórias – as quais ele afirmou em sua conversa com o público que servem para proteger as lembranças mais queridas (por mais que sejam equivocadas).

Com isso é quase revoltante notar que as ameaças à vida do pai eram quase iminentes, e quando cada um dos filhos recebe a notícia parece não ser surpresa alguma. Essas ameaças são comprovadas em outro papel que estava no bolso do Dr. Abad Gomes com o nome de diversos amigos e militantes reconhecidos como personas non grata. A visão pessoal do escritor constrói um mundo ideal que coexiste com um país, ou mundo real, prestes a destruir aquilo que ele considera indestrutível. Afinal, é impossível de imaginar como há alguém capaz de matar outra pessoa tão boa e prestativa.

É notável nas palavras de Héctor Abad uma certa esperança em se ligar com o leitor diretamente, acreditando que poderá retardar o esquecimento e a ausência através da escrita. A ausência que seremos conseguiu o que queria, um retrato forte, comovente, mas nunca kitsch como poderia soar.