Eu já falei aqui sobre Karel Čapek, escritor tcheco da virada do século XIX para o XX, corresponsável, junto com seu irmão Josef, pela palavra ‘robo’. Só por isso ele já deveria figurar entre os grandes nomes da ficção (tanto da científica quanto da ficção pura e simples) no mundo inteiro.

Isso, porém, não é uma realidade: conheço pouca gente que tenha ouvido falar dele e menos gente ainda que o leu. No Brasil, aliás, isso é ligeiramente justificado pela falta de publicações- apenas ‘Histórias Apócrifas’, publicada na coleção Leste da Editora 34 e, há muitos anos, uma edição de ‘A Guerra das Salamandras’ pela Brasiliense.

A Guerra das Salamandras, porém, é uma de suas obras mais importantes. Lançada originalmente em 1936, sob o título Válka s mloky, é uma ficção científica de tom irônico, prenunciando a guerra que logo assolaria a Europa.

O livro é divido em quatro partes e na primeira delas somos apresentados ao capitão Van Toch, em sua busca por pérolas para atender os pedidos dos judeus de Amsterdã, acaba indo parar em uma pequena ilha perto de Sumatra, onde descobre alguns animais conhecidos pelos nativos da região de demônios do mar, que mais tarde serão conhecidos como salamandras.

Apesar do serem chamadas de demônios, as salamandras mostram-se extremamente dóceis e logo passam a ser exploradas na coleta de pérolas e são espalhadas pelo mundo.Mais tarde surge uma organização chamada Sindicado das Salamandras, organização humana que serve, basicamente, para incorporá-las de vez à civilização como mão-de-obra barata.

Após a primeira parte temos um apêndice curioso, já que está no meio do livro e destoa totalmente do resto dele, já que não narra nenhuma história, mas descreve- de um modo quase acadêmico- a vida sexual e reprodutiva dos estranhos seres descobertos por Van Toch.

Na parte seguinte  temos o desenvolvimento dos primeiros conflitos entre as salamandras e os seres humanos. O tom aqui varia entre o jornalístico- na verdade o primeiro capítulo dessa parte assume a forma de recortes de jornal- e o histórico- como se, alguns anos depois dos acontecimentos do livro, fosse escrito um ensaio à respeito daquele tempo.

Na última parte temos o relato das batalhas entre humanos e salamandras, a eclosão da guerra e seu desfecho. A sátira em tons proféticos e pessimistas adquire também um tom um tanto didático, cujo teor é ampliado pelo desfecho surpreendente e altamente metaficcional, em que Čapek dividiu-se em ‘Escritor’ e ‘Autor’ e conversa ‘sozinho’.

Atacando com veemencia facistas, imperialistas, capitalistas, socialistas, colonialistas, nazistas, além de condenar visivelmente corridas armamentistas, preconceitos e outras coisas mais, o livro dirige-se obviamente a situações que podem parecer bastante específicas, já que foi escrito às portas da Segunda Guerra Mundial. Mas- infelizmente- essas situações repetiram-se, inúmeras vezes e, ainda hoje, podem ser encontradas por aí. E justamente por isso, essa é uma obra atemporal.

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