Alexandros Papadiamántis foi um dos mais influentes escritores da prosa neogrega. Escrevendo na segunda metade do século XIX, um tempo em que a identidade nacional da Grécia começava a sedimentar-se – e os ideais do romantismo começavam a arrefecer –, ele é frequentemente classificado como realista, apesar de o rótulo (como é de praxe no caso dos melhores escritores) não ser lá muito exato.

Em primeiro lugar, pode-se justificar isso pelo fato de o escritor, natural da ilha de Skiathos, não envolver-se com a intelligentsia grega da época. De fato, ele preferia frequentar os mesmos lugares que o homem simples e vivia com certa frugalidade, tendo ficado conhecido como o ‘Monge Secular’ e até como ‘Santo das Letras’.

Papadiamántis, que escrevia na língua neogrega katharévousa, uma forma arcaizante da língua (em oposição ao grego demótico, uma forma mais vernácula; as duas formas disputavam a preferencia dos escritores e o posto de idioma oficial do país recém-constituído), gozou de extrema popularidade, tanto entre as pessoas mais simples quanto entre aquelas de educação mais refinada.

Entre os motivos disso podem escalar-se o fato de o seu katharévousa não ser puro: parecia não escrever nessa forma da língua grega por elitismo intelectual, mas por ser a forma na qual sabia escrever melhor. Também concorrem para isso a profunda religiosidade ortodoxa que se imiscuía em sua obra (e, coerentemente, em seu modo de vida) e as qualidades de seu texto, que não se prendem às amarras realistas, com cortes temporais e deformações que poderiam, muito bem, encaixar-se em obras pós-modernas.

Em A Nostálgica e outros contos, publicado no Brasil pela editora Hedra, em tradução de Théo de Borba Moosburger, isso pode ser conferido em nove contos bastante representativos da literatura do ‘Santo das Letras’, todos orbitando ao redor do modo de vida tradicional da Grécia, longe da cidade grande. A religiosidade e a riquíssima tradição da língua grega também aparecem constantemente, assim como certa idealização erótica da natureza.

Em Um sonho nas ondas, por exemplo, um ex-seminarista e ex-pastor de ovelhas descreve a beleza da ilha em que viveu quando jovem, e, ao mesmo tempo, a beleza estonteante da jovem que, anos antes, quase afogou-se em sua frente. Para isso, Papadiamántis lançou mão de referencias ao ‘Cântico dos cânticos’, adicionando ao mesmo tempo erotismo e religiosidade.

A Nostálgica, conto que empresta título ao livro, nos traz a história de um jovem que foge de barco com uma moça casada com um velho, e a beleza das paisagens sob o luar fornece-lhe material para fantasiar com a moça que ele acredita estar resgatando.

Por outro lado, Santo pobre: uma lenda insular abandona totalmente esse erotismo e entrega-se totalmente à religiosidade, sendo uma espécie de hagiografia do populacho grego, com sua simplicidade e honestidade.

Os outros contos do volume são O americano: um conto de natal; O amor na neve; O arco assombrado; A vítima do mar; O lamento da foca e Os demônios no riacho; todos mais ou menos com os mesmos temas – tão caros à Papadiamántis – mas nunca repetitivos ou monótonos.

A tradução é bastante boa, ainda mais se consideradas as dificuldades inerentes a traduzir de um idioma que, na verdade, constitui-se de uma multiplicidade de formas bastante distintas entre si, com variáveis graus de arcaísmos – que podem datar, aliás, a muito antes de a língua portuguesa existir. Enquanto que na voz do narrador prevalece a norma culta, muitos diálogos caem para um registro mais coloquial, o que dá, talvez, um pouco do gosto do que seria ler o katharévousa impuro do ‘Monge Secular’.

A Nostálgica e outros contos

de Alexandros Papadiamántis

tradução e introdução por Theo Borba de Moosburger

194 páginas

R$ 24,00

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