A história da humanidade está cheia de episódios deploráveis. Guerras, campos de concentração, genocídios, regimes opressivos, perseguições… É uma lista infindável.  A literatura costuma comprometer-se a, de alguma maneira, representar esses episódios. Temos inúmeros relatos- reais e imaginários- sobre Auschwitz, sobre os Gulags, sobre ditaduras, sobre a inquisição, sobre o Apartheid e sobre o que mais se puder imaginar.

Ou não: existem alguns assuntos que, por um motivo ou outro, a literatura silencia. Temas sobre os quais parece que não se pode ou não se quer escrever. É estranho pensar nisso, face ao fato de a Shoah- quiçá um dos mais cruéis eventos pelos quais a humanidade já passou- ser uma fonte constante de representação.

Um dos episódios mais interessantes dentre todos os que são inexplicavelmente esquecidos é o da Unidade 731- uma divisão do exército japonês que, entre 1937 e 1945, ficou encarregada de desenvolver e testar armas biológicas e químicas, utilizando como sujeitos de teste pilotos inimigos que sobreviveram ao terem seus aviões abatidos, além de civis capturados em ataques à vilarejos na China e na Coréia.

Os experimentos da Unidade 731, oficialmente conhecida como Departamento de Prevenção de Epidemias e de Purificação de Água do Exército de Kwantung, envolviam vivissecções sem anestesia, testes com peste bubônica, varíola, tularemia, sífilis e gonorreia, amputações para estudar os efeitos da perda de sangue, injeção de ar nas artérias e de urina de cavalo nos rins dos ‘troncos’- eufemismo utilizado para denominar as pessoas utilizadas como cobaias.

Aplicavam algumas de suas descobertas na guerra. Aviões derrubavam alimentos infectados nas regiões chinesas não ocupadas pelo Japão; ‘vacinava-se’ a população, inoculando, na verdade, os patógenos verdadeiros’; davam-se doces contaminados para as crianças.

Os responsáveis, porém, não foram julgados. Ofereceram os resultados de seus testes aos americanos- que queriam botar as mãos nos resultados de testes em seres humanos, muitos dos experimentos que seriam eticamente condenáveis-  e, compraram assim sua liberdade. Algumas figuras menores foram capturadas pelos Soviéticos e julgadas nos tribunais de guerra stalinistas.

Eu procurei exaustivamente e me surpreendi ao descobrir apenas uns poucos livros sobre o assunto. É claro que a minha falta de conhecimento dos idiomas japonês, chinês e coreano pode ter contribuído, mas se me engano essa literatura existe, seu alcance limitado ainda é espantoso: pode não ter sido um massacre tão grande e nem tão sistemático quanto o efetuado pelos nazistas, mas, em termos humanos, é algo igualmente terrível.

As informações que consegui, no entanto, apontam que o primeiro livro japonês sobre o tema foi publicado em 1958, por Shusaku Endo. O livro se chama O mar e o veneno, e trata sobre a vivissecção de 6 pilotos americanos em um hospital em Fukuoka- um evento real. Depois dele, apenas em 1981 Morimura Seiichi publicou A gula do demônio. Dois anos depois Morimura lançou uma continuação.

Fora isso, tudo o que descobri foi uma série de thrillers e livros de horror que tangenciam o tema, utilizando nomes ou recriando-as, mas sem a ambição de retratar os acontecimentos em seu contexto ou suas consequências.

 

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