Nunca fui um grande fã de gramática ou da forma como a literatura é ensinada de acordo com os conteúdos programáticos. Não é algo que diga respeito somente a mim, visto que as discussões sobre a forma como são construídos os materiais didáticos remonta a tempos mais remotos e questões bem mais profundas do que uma simples opinião particular.

Reconheço a importância da gramática, do estudo dos mecanismos lingüísticos, das estruturas presentes tanto na forma da língua e seus elementos característicos quanto nas estruturas narrativas, mas ao colocar tais áreas do saber perante a literatura, essa última parece assomar tão grandemente que me deixo seduzir por ela e sigo pelos caminhos quase esquecido dos campos de estudo anteriormente citados.

Quando eu digo isso, essa colocação tem um valor, visto que eu me meto em domínios com os quais não estou familiarizado (que não nego nem muito menos menosprezo, só relato minhas experiências meio traumáticas com isso no colégio), podendo minha opinião ser desprezada ou não, dependendo do leitor. A coisa muda de figura, porém, quando quem atenta para esse problema é um nome de peso nos estudos de poética, das estruturas narrativas e teoria literária, Tzvetan Todorov.

Depois de ter dedicado boa parte de sua vida e esforço pesquisando e aprofundando teorias acerca dos elementos internos da narrativa, a poética da composição literária e os mecanismos narrativos do qual se valem os autores, ou seja, prismas analíticos ligados a tradição estruturalista; Todorov se volta ao ensino (o francês, no caso) para observar a maneira como literatura vem sendo ensinada às novas gerações e os desdobramentos desse ensino para suas existências pós-escola.

Logo nas primeiras páginas de A literatura em perigo, Todorov diz a que veio: tornar pública sua percepção negativa sobre a forma como o ensino de literatura vem sendo conduzido e procurar entender como esse processo tem gerado conseqüências sobre tanto a literatura como a vida; e, último mas não menos importante, o que deve ser feito para que mudanças sejam implementadas.

O autor mostra como o ensino de literatura vem privilegiando o que os críticos produziram sobre a literatura (conceitos de estilos, escolas, tradições, estudos gramaticais etc.) e tirando cada vez mais o espaço onde o aluno poderia travar contato direto com a literatura através da leitura da obra em si e não o que se notabilizou e cristalizou acerca desse ou daquele livro.

Fazendo um breve apanhado acerca de como diversos pensadores e autores enxergavam o ato literário, Todorov reconhece a necessidade de que certas visões, que ele centraliza na tríade formalismo-niilismo-solipsismo, sejam postas em questão. Além disso, Todorov prega que os estudos de literatura se voltem a proporcionar uma maior e mais complexa compreensão dos livros como escopos para compreensão da existência e experiência humanas.

Dialogando com diversos autores e criticando certas visões de “arte pela arte”, de suposta/pretendida “a-historicidade” das obras, ou mesmo de negação de quaisquer funções sociais à produção literária senão a contemplação do belo, Todorov mostra a imbricação orgânica da literatura e da história, uma vez que ambas estão ligadas pela peculiaridade humana de suas naturezas. O autor demonstra profundo conhecimento e afiado senso crítico para perceber as distorções que certas leituras podem ocasionar.

Assim passa-se, grosso modo, de uma compreensão de literatura ligada à exaltação da forma e da estética (formalismo), para uma realidade pessimista, marcada pelo pensamento nietzschiano da impossibilidade da verdade e da futilidade das tentativas de encontrá-la (niilismo). Segue-se nessa trilha até chegarmos a um contexto em que a literatura é encarada como experiência individual e só existente no universo do sujeito, ela só existe para mim pois só é real o que eu penso, não há espaço para objetividade, é puro subjetivismo (solipsismo).

O movimento de mudança aqui mostrado somente agudiza a necessidade de irmos às obras, de pormos em questão modelos fáceis, conceitos fechados ou constructos epistemológicos mecânicos; para que então possamos resgatar o sentido da literatura, o que ela tem de mais sublime, subversivo, emblemático e transcendental, seu potencial de transformar a realidade através dos homens-leitores.