A Outra Volta do Parafuso é uma novela inglesa escrita por Henry James em 1898. Aqui no Meia Palavra, já ganhou uma resenha muito bem escrita pela Anica, que levantou, entre outras coisas, a natureza dúbia da narrativa e mostrou ao leitor uma explicação para o título da obra e sua tradução. Gostaria então de apresentar outros aspectos dessa leitura, que se tornou um dos grandes clássicos do horror na literatura.

A primeira coisa que se passa em minha mente é discutir os motivos para qual essa narrativa se mostra tão assustadora e tensa. Para que possa fazer isso, torna-se preciso um resumo da obra: O livro revela os manuscritos de uma governanta que foi morar em uma mansão em Essex a fim de cuidar de duas crianças (Miles e Flora). O tio das crianças e, por conseguinte, patrão da governanta, não mora com elas e impõe uma única condição para seu trabalho – que ela nunca o comunique nada, nem o atormente de qualquer forma. Feito o acordo, a governanta se muda para a propriedade de Bly, onde vive momentos de absoluta alegria com as duas crianças encantadoras e criados da casa. Isso muda quando ela começa a ver aparições de dois antigos funcionários da mansão e passa a acreditar que eles estão exercendo uma má influência para destruir Miles e Flora. Inicia-se assim, uma angustiante e assustadora seqüência de dias em que ela, junto com Sra. Grose, tentam impedir os planos dos fantasmas de Quint e Jessel. Vale ressaltar que esses manuscritos são revelados ao leitor por um personagem que, anos depois, o recebeu e agora divide a leitura em uma roda de amigos.

Apresentado esse resumo, percebe-se que o ponto gerador de instabilidade e medo presentes na obra é a existência de dois inimigos, no caso, espectros de ex-funcionários da mansão. Esse fato por si só já parece ser um forte argumento para explicar a tensão que essa narrativa possui a todo instante. Um inimigo assim sobrenatural pode aparecer a qualquer momento e surpreender os personagens (e o leitor). Pior do que suas aparições, no entanto, são suas intenções. Os fantasmas de Quint e Jessel unem o que há de mais assustador no sobrenatural, que é o fato de poderem se deslocar sem interferência de espaço-tempo, e, ao mesmo tempo, a cobiça, vingança e ódio que carregavam enquanto humanos.

E é com essa mistura que a pressão aumenta ao longo do livro, mesmo com um breve momento de “sossego”: Nas primeiras aparições do fantasma (Quint, já que Jessel aparece somente depois), existe o impacto do desconhecido e um certo ar de incertezas. Depois, conforme esses encontros aumentam, o medo diminui e a curiosidade toma a cena. A governanta não sabe se aquela figura realmente é sobrenatural, um viajante ou uma brincadeira de criados. É como se, a cada encontro, a governanta tentasse conhecer mais aquele ser. Em certo episódio,  ao se deparar com Quint pela janela, ela sai correndo de casa para encará-lo. Posteriormente, ela mesma diz a Sra. Grose que não faz ideia de como conseguiu vencer o medo por aquele instante. No entanto, ao ser revelada a real forma e intenção dos fantasmas em exercer influência nas crianças, carregados pelos seus sentimentos humanos, a obra toma outra proporção. Vemos uma governanta ainda sim capaz de vencer o medo em um encontro, mas visivelmente atormentada, inquieta e abalada. Sua coragem vira, nesse instante, fruto do desespero de alguém que quer proteger crianças indefesas e, mais além, provar suas capacidades para o patrão, cumprindo um acordo que fora estabelecido.

Para completar a novela, ainda existem pequenos mistérios a serem resolvidos simultaneamente. Primeiro, por que a sra. Grose se mostra, diversas vezes, tão confidente e, ao mesmo tempo, parece esconder tantas coisas? Além disso, o pequeno Miles fora expulso da escola, mesmo apresentando personalidade quase angelical. Cada uma dessas questões, levantadas ao longo do livro, se tornam mais um elemento de pressão, mais uma volta no parafuso.

Outro ponto que eu gostaria de levantar a favor dessa narrativa é o fato de que ela apresenta uma bela pluralidade de olhares. O leitor que acreditar em todas as palavras da governanta será apresentado a um mundo ao mesmo tempo belo e cruel para lidar junto com o manuscrito da personagem. Para ela, os fantasmas de Quint e Jessel exerciam influência nas crianças e as obrigava a agir como eles a ordenavam, ou seja, de início, como verdadeiros anjos cheios de amor, porém manipulados. As crianças jamais falaram da existência dos espectros (ou dos funcionários enquanto vivos),  o que, de certo modo, só comprovava a teoria da governanta de que eles estavam sendo obrigados a esconder isso. O leitor que decidir embarcar na palavra de nossa narradora, entenderá toda dualidade de seus sentimentos – por um lado, era certo que as crianças fingiam gostar dela, mas, por outro, mesmo assim ela não conseguiria abandoná-las.

Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras

Autor: Henry James

Tradução: Paulo Henriques Britto

Preço: R$23,00

Páginas: 200

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