O maior e mais famoso Campo de Concentração de todos foi Auschwitz. A morte industrializada, mecanizada. Os sobreviventes ficaram severamente marcados para o resto de suas vidas, e os que morreram foi da forma menos humana possível.  Câmaras de gás, crematórios e valas coletivos, celas de inanição e para se ficar em pé. As joy divisions.

Existiu, porém, um outro campo de extermínio que foi quase tão cruel quanto este, mas que costuma ser ignorado. É o campo de Jasenovac, na Croácia. Lá, a Ustaša – o estado fascista Croata que existiu durante a Segunda Guerra Mundial e foi aliado dos nacional-socialistas alemães- deu cabo de  milhares de sérvios, judeus, ciganos e croatas dissidentes.

À exemplo de Auschwitz, no maior campo de concentração da Iugoslávia, a morte foi mecanizada: cremações e câmeras de gás Zyklon B eram utilizadas. Mas parece que a preferência era por técnicas mais pessoais, ferramentas cortantes e impactantes- pás, foices, canos- eram grandes favoritos. O degolamento era especialmente valorizado- existia até uma faca especial, para a qual os Ustaša davam de ‘srbosjek’, cuja tradução é ‘cortadora de sérvios’.

Apesar de existirem alguns livros sobre isso, não são muitos. É natural que não existam muitos testemunhos diretos- fontes citam algo entre um quinhetos mil à um milhão de  prisioneiros, dos quais apenas 87 sobreviveram. Os poucos que quiseram falar tiveram seus relatos reunidos em um único livro, publicado apenas em 1991, nos EUA- pelo menos os que viveram até 1991. Fora isso existem alguns contos e peças de teatro que tratam o tema. Mas todos- até onde eu sei- são de escritores sérvios e que não costumam ser lidos fora da Sérvia.

Pesquisei bastante a respeito,  e não descobri nenhum escritor croata que chegue sequer a fazer menção ao fato- exceto ao citá-lo como propaganda anti-croata. É certo que durante os anos da Iugoslávia o esquecimento foi alimentado- era uma forma de se evitar que os nacionalismos e ressentimentos étnicos aflorassem, o que destruiria a frágil unidade do país (que, aliás, só se manteve graças às políticas de Tito, indo por água assim que ele morreu), mas existiu uma prolífica comunidade exilada em países como Argentina, EUA e Espanha.

Parece sempre existir, da parte dos literatos, uma relutância em colocar-se no lado dos ‘vilões’- incentivada ou não pelo Estado,  a literatura parece sempre buscar esquecer os erros do passado. O único livro que conheço que utiliza o ponto de vista de um oficial nazista é As Benevolentes, do franco-americano Jonathan Littel.   A única exceção de que me lembro é Günter Grass: ele admitiu ter sido membro das SS- o que lhe valeu a cabeça na mídia alemã. E, certamente, lhe custou leitores.

Aliás, não seria esse o problema? Esses livros não existem porque as pessoas se recusam a lê-los? Se um croata escrevesse sobre Jasenovac, não seria desprezado por seus compatriotas como um traidor? Os sérvios, por sua vez, talvez no máximo o considerassem um bom homem por admitir os pecados de seu país, mas o deixariam de lado, pois ele pertence ao inimigo? Sem ser lido em sua língua, dificilmente seria traduzido.

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