No último dia 08 de setembro foi comemorado o Dia Internacional do Jornalista ((O Dia Nacional do Jornalista é comemorado no dia 07 de abril)). Homens e mulheres habilidosos com as palavras e capazes de retratar história que marcam gerações através de jornais, revistas, sites, blogs e, por que não, livros. Ter a escrita como profissão pode ajudar na composição de uma obra, mas não são todos que mergulham nessa árdua atividade. Aqueles que se arriscam são por puro amor, pois a construção de um livro leva tempo, anos de pesquisa, entrevistas e organização para colocar tudo no papel, de forma organizada, seja para uma obra de ficção ou não-ficção. Muitos são aqueles que se arriscam na área literária, como Mauricio de Sousa ((Mauricio de Sousa começou sua carreira como jornalista policial)), Machado de Assis e Luis Fernando Veríssimo, assim como outros que se dedicam aos livros-reportagem, como Mirian Leitão, Andréa Ascensão, John Reed entre outros. Independente da forma, o Meia Palavra comemora o Dia do Jornalista com a indicação de alguns jornalistas que se aventuraram na tarefa de construir um livro e nos presentearam com ótimas e inesquecíveis obras:

Izze: O jornalista e o assassino (Janet Malcolm) – Em 1970, o médico Jeffrey McDonald é acusado de assassinar sua esposa grávida e suas duas filhas. Enquanto montava sua defesa – já havia sido absolvido em um julgamento do exército, mas o caso foi para o júri popular – convidou o jornalista Joe McGuinniss para acompanhar todo o processo até anos após sua condenação. O trabalho de McGuinniss resultou em um livro que foi sucesso de vendas, que mostra a personalidade perigosa de McDonald e as opiniões do jornalista sobre o seu entrevistado. Porém, o resultado não agradou ao médico, que processou o jornalista pelas “mentiras” escritas, pois acreditava que ele era, na verdade, um amigo seu e iria mostrar que era inocente. A relação delicada entre o que o entrevistado espera e o que o jornalista vê é o ponto central do livro de Janet Malcolm, um belo trabalho que discute ética e os processos que envolve o jornalismo. “O jornalista e o assassino” não é só uma grande reportagem sobre o caso, mas um apanhado importante de todas as questões éticas que marcam a profissão, que estão muito mais ligadas às opiniões do próprio jornalista – e o que a cobertura exige – do que a uma lista de regras fixas que devam seguir. Os limites da aproximação entre jornalista e entrevistado e do grau de sinceridade entre ambos apresentados por outros profissionais, junto das reflexões de Janet sobre como lidar com essas questões, enriquecem a apresentação do caso, bem detalhado pelos depoimentos que mostram o caráter ambíguo do envolvimento de McGuinniss com McDonald. Leitura obrigatória para qualquer estudante ou jornalista por ser uma reportagem diferente que faz o que muitos jornalistas e veículos esquecem de fazer: refletir e criticar a própria profissão.

Anica: Medo e delírio em Las Vegas (Hunter S. Thompson) – A história por trás do livro é a seguinte: Hunter Thompson estava fazendo uma reportagem para a revista Rolling Stone, quando conheceu o advogado Oscar Zeta Acosta. Como Acosta era mexicano e a conversa de um hispânico com um homem branco poderia parecer suspeita naqueles tempos, o repórter achou que seria melhor procurar um outro lugar para a entrevista. A oportunidade apareceu quando a Sports Illustrated apareceu contratando Thompson para cobrir uma corrida em Las Vegas, a 400 Mint. É dessa experiência de viagem com Acosta que surge “Medo e delírio em Las Vegas”, onde Thompson vira Raoul Duke e Acosta vira Dr.Gonzo em uma histórica narrativa alucinada regada a muitas drogas e bebidas em busca do sonho americano. O livro é engraçadíssimo, mas de um humor ácido – especialmente na segunda metade, quando o foco é o sonho americano em si. É a obra que fez com que Thompson fosse conhecido como o pai do Jornalismo Gonzo, estilo no qual o narrador deixa a objetividade de lado e passa a ser o centro da ação.

Luciano R. M.: O Imperador, a queda de um autocrata (Ryszard Kapuściński) – Como jornalista a serviço do governo polonês, Kapuściński presenciou inúmeras revoluções, golpes e guerras. Mais tarde acabou relatando muitos deles em forma de romances. Suas viagens pela África certamente renderam relatos interessantíssimos, entre os quais certamente se destaca “O Imperador”, sobre a queda do anacrônico ditador etíope Hailé Selassié. O trabalho de reportagem, no entanto, foi feito depois da queda do regime de Selassié: Kapuściński percorreu o país durante os anos iniciais do governo militar que derrubou o imperador, entrevistando o que sobrou dos membros da sua corte. Foi usando o inacreditável funcionamento dessa corte que Kapuściński reconstruiu o bizarro império de Selassié, não só demonstrando o quão enorme era a desigualdade na Etiópia, mas aproveitando para cutucar o próprio regime comunista da Polônia Soviética- e todas as formas abusivas que o poder político costuma tomar.

Tiago: Crônicas de Guerra – Com a FEB na Itália (Rubem Braga) – Para além da singeleza de suas crônicas mais conhecidas, Rubem Braga escreveu grandes reportagens, muitas deles ainda não recolhidas em livros, como sua cobertura da Revolução Constitucionalista. Exceção é este livro que reúne sua viagem junto às Forças Expedicionárias, em especial, o front de Monte Castelo, talvez a conquista mais importante das quais o exército brasileiro participou. Mais importante que o entusiasmo com que Rubem Braga narra essa participação é a atenção que ele dá aos fatos marginais, como a resistência organizada de certos jovens italianos absolutamente pobres, que criaram uma guerrilha com armas roubadas das forças fascistas. Há a descrição das condições não só dos oficiais, mas das pessoas com quem vai topando. E, é claro, há casos anedóticos, que fazem parte do imaginário sobre a “esperteza brasileira” em momentos de dificuldade: vendo uma série de aviões norte-americanos postos de lado, uma série de mecânicos tupiniquins pergunta se, caso eles consigam concertá-los, as aeronaves poderiam ficar sob responsabilidade brasileira – o riso dos yankees dá lugar ao espanto quando poucas horas depois eles ouvem o barulho das turbinas funcionado… A narrativa das comemorações do fim da guerra são igualmente surreais. É um livro que, injustificadamente, está fora de catálogo há anos. Seria o caso de reeditá-lo, quem sabe incluindo as crônicas sobre a Guerra escritas antes de Braga embarcar, na coluna “Ordem do dia” do Diário Carioca, muitas delas até hoje inéditas…

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Lucas Deschain: Trilogia Millenium (Stieg Larsson) – Além de ser um jornalista ele mesmo, Larsson escreveu uma das mais originais e alucinantes histórias policiais da contemporaneidade, tendo como protagonista (além de alguns coadjuvantes) justamente um jornalista: Mikael Bloomkvist. A série conta com um timing bastante preciso e um humor contido, mas eficaz, principalmente no primeiro livro, envolvendo tramóias econômicas, acordos políticos escusos, conflitos familiares, espionagem e, como não podia faltar, denúncias jornalísticas ao bom e velho estilo heróico-romântico-justiceiro (quem sabe até meio gonzo), em que Bloomkvist se apresenta como figura principal. A trilogia “Millenium” possui outros personagens muito bem construídos, dos quais vale a pena destacar Lisbeth Salander, a garota hacker anti-social que acaba ajudando Bloomkvist a solucionar as intrincadas tramas e esquemas nos quais ele acaba se envolvendo, seja por aventuras amorosas, seja por furos investigativos, seja por sua capacidade de se meter nelas. Larsson construiu uma história que se amplia a cada volume (e que ameaça ruir próximo do fim do terceiro volume com tamanha amplitude), exagerando um pouco aqui e ali, mas mantendo a trama coesa, o ritmo frenético digno dos thrillers policiais e a tensão do início ao fim, mostrando que os romances policiais ainda podem renuir grande séquito de fãs.

Dindii: Abusado, o dono do morro Dona Marta (Caco Barcellos) – O livro-reportagem foi vencedor do Prêmio Jabuti como melhor obra de não-ficção do ano de 2004. Caco Barcellos faz um apanhado da vida de Juliano VP, traficante dono do Morro Dona Marta, e das vidas que circulam ao redor do tráfico, violência e polícia. Tudo nos é contado através de depoimentos e lembranças dos moradores da favela, que são publicados respeitando as gírias usadas em seu cotidiano.
O dia-a-dia da favela é levado ao leitor. A infância de Juliano VP é apresentada, assim como seus primeiros assaltos, atividades no tráfico, gosto literário e preocupação com o futuro da favela. O livro faz um recorte mostrando sempre vários pontos de vista sobre o assunto, além de tentar esclarecer a estrutura da atividade criminosa do Rio de Janeiro e do Comando Vermelho. Para além disso, Caco Barcellos também narra a gravação de um clipe de Michel Jackson, que aconteceu no morro Dona Marta , instantes em que a polícia e traficantes tentaram coexistir sem violência e preparar novas estruturas de defesa e ação.

Palazo: Invictus – Conquistando o inimigo (John Carlin) – Escrever sobre Nelson Mandela foi sem dúvida um grande desafio para o jornalista John Carlin. Procurar retratar nas páginas de um livro toda a trajetória do líder sul-africano, desde os 27 anos preso até a habilidade inquestionável de líder, pacificador e diplomata para unir um país devastado pelas décadas de um apartheid severo que devastara qualquer esperança de união de uma nação. Porém, a habilidade jornalística de John Carlin fica expressa já no prefácio, quando ele descreve uma breve conversa que teve com Nelson Mandela sobre a ideia do livro. Conforme Carlin contava cautelosamente sua ideia para o presidente, a expressão de Nelson era descrita, primeiramente serena e observadora até chegar ao fato que levou a união do país, a Copa do Mundo de Rúgbi. Neste momento, o sorriso inconfundível de Mandela apareceu, e ao ler as páginas do livro é possível imaginar tal sorriso, a alegria desperta no presidente e um convite para saborear as páginas fantásticas do jornalista John Carlin sobre um dos últimos heróis vivos da atualidade.