Para mim a grande força da literatura britânica, hoje, está no teatro. Autores como Sarah Kane, Mark Ravenhill, Martin Crimp e Phyllis Nagy, expoentes (relutantes, quiçá) do chamado teatro ‘in-yer-face’ estão entre os escritores recentes mais importantes da terra da rainha.

Não são os únicos, porém. Gregory Motton – até pouco tempo proscrito dos palcos ingleses, sabe-se lá porque – também aparece entre os grandes da nova geração britânica, e não se vincula ao ‘in-yer-face­’. Suas peças herdam algo da complexidade cerebral de Pinter, mesclado à sutileza poética do norueguês Jon Fosse. Talvez fosse pertinente, ainda, incluir as obras mais sombrias de Ingmar Bergman nessa explicação hesitante da obra de Motton. Apesar de todas as comparações que fiz, sua obra é singular e sua poética, inovadora.

Em The Terrible Voice of Satan (que já foi montada no Brasil pela companhia Club Noir, com tradução do diretor Roberto Alvim) existem todos os elementos fundamentais da obra de Motton: a fragmentação do diálogo e a inexistência de rubricas, a confusão entre as personagens e a própria representação dessas personagens, muitas das quais seriam melhor descritas como forças ou ideias do que como pessoas.

A história gira em torno de Tom Doheny, camponês, marinheiro, navio, Deus ou o diabo – a questão fica em aberto – que questiona a existência humana, recebendo respostas confusas e circulares, semelhantes elas mesmas à essa existência.

Falando com Tom existem um padre, um pássaro mágico, o Homem Seco, um convidado, o Imperador do Reino Sob as Águas, o próprio Reino Sob as Águas, um médico e a escuridão. Os diálogos, porém, não seguem lógica alguma – ou melhor, seguem a uma lógica que foi meticulosamente destruída e reconstruída em um plano diverso – já que muitas vezes Tom responde às próprias perguntas, falando pelas outras personagens.

The Terrible Voice of Satan é uma obra inquietante e perturbadora. Talvez não cumpra os ideais de beleza que muitas pessoas buscam na literatura, mas não é esse seu objetivo: uma das coisas que faz, aliás, é justamente negar essa beleza, enquanto nega a lógica de tudo aquilo que esperamos e de tudo aquilo em que cremos. Não vi nenhuma montagem, mas mesmo sendo ‘simplesmente’ lida, a obra, bem curta, aliás, é impressionante.