A resposta curta: por causa de seu último capítulo e por ser bom pra caramba. A resposta longa vem a seguir.

Esse foi um dos poucos casos em que li o livro antes de ver o filme: li-o em 2005 e terminei de relê-lo há menos de duas horas; assisti à adaptação de Kubrick há duas, três semanas, finalmente – algo nada legal para um cinéfilo admitir. O tempo todo entre leitura e experiência audiovisual gerou um resultado interessante: se não me recordava de fatos específicos da obra pouco antes de colocar o DVD para funcionar, durante o filme eu relembrei de várias daquelas cenas no livro. Por alguma razão, esqueci-me totalmente de metade do terceiro ato (correspondente à terceira e última parte do romance de Burgess) e pensei que fosse invenção do diretor. A memória é uma coisa estranha.

Isso me fez buscar novamente o romance, na excelente tradução de Fábio Fernandes (com “Prefácio” e “Notas sobre a nova tradução brasileira” também escritos por ele) publicada pela editora Aleph. Aproveitando-me do longo tempo que se passou até a releitura, li todo o livro sem consultar o glossário da linguagem nadsat, utilizada pelos adolescentes criados por Burgess. Tudo para preservar ao máximo o estranhamento de que se fala no “Aviso ao leitor”.

E o livro empolga tanto quanto na primeira leitura. Toda aquela ultraviolência horrorshow, numa mente fértil, vira um filme muito mais violento do que a adaptação de Kubrick – e esse é um dos fatores desse excelente filme que podem decepcionar um pouquinho aos que leram o livro antes. Acostumados que estamos à violência gráfica, exacerbada e rica em detalhes de muitos filmes contemporâneos (Kubrick também a utilizou em “Full Metal Jacket”, por exemplo), a versão cinematográfica pode nos parecer um pouco “conservadora”. Além disso, a idade dos adolescentes (13, 14 anos no livro; 28 anos a idade do ator que interpreta o protagonista) também torna o filme um pouco menos chocante, ainda que aponte algo comum hoje, a chamada adultescência. Ainda que isso não seja propriamente um defeito do filme (aliás, após pensar um pouco, as escolhas do diretor e roteirista fazem todo o sentido), citei porque são as diferenças mais patentes entre uma obra e outra.

Mas se a obra empolga tanto quanto eu falo, por que o meu texto está consideravelmente mais curto? Porque o que não falta aqui no Meia Palavra são resenhas sobre o livro, algo que descobri só após já ter escolhido falar sobre esse livro. Há um texto mais antigo que curti mais pelos comentários da Anica do que pela resenha mesmo (tenho de admitir que, numa eventual briga de rua, nem de longe “o filme suplanta o livro que lhe originou”); há outro que trata do álbum A-Lex, da banda Sepultura, inspirado no romance de Burgess; e, muito recentemente, a Dindii publicou uma resenha que se debruça, em especial, sobre a questão do título, estranhíssimo e marcante.

O que me sobrou foi apenas o último (e ótimo) capítulo do romance. E como ele está totalmente ausente da versão cinematográfica (e, inclusive, de algumas edições do livro nos Estados Unidos), não me sinto à vontade para discuti-lo. Recomendo, portanto que, você que viu o filme, leia o livro também. Se não tiver tempo ou vontade de lê-lo todo, leia ao menos o último capítulo, para ter uma ideia melhor de onde Burgess queria chegar – ainda que seja um desperdício de toda a boa prosa que o antecede. A omissão do capítulo final (de uma coisa tão pequena como o comentário da Anica, em comparação com a resenha), fez o filme perder o desenvolvimento de uma das questões mais importantes da obra: o amadurecimendo de Alex.

Não que Kubrick fosse obrigado a mostrar isso. Mas creio que foi isso que me fez considerar que, numa briga de rua, ele não teria chance.