No universo onde o arquiteto é o escritor chileno Roberto Bolaño não há limites. Seus personagens, espaços, obsessões e manias estão presentes no, ainda inédito no Brasil, “Llamadas Telefónicas” que surge para costurar situações e personagens conhecidas para quem leu outras obras do autor e mostrar que seu espaço na literatura mundial não será retirado tão cedo.

Logo na abertura existe um “prólogo” escritor pelo autor intitulado “Conselhos sobre a arte de escrever contos”, onde em 12 passos (sim, igual aos 12 passos dos membros do AA) ele tenta explicar como se deve escrever um conto. Não vou transcrever, apenas ressaltar o primeiro conselho: Nunca se escreve um conto de cada vez. Esse pequeno toque reflete exatamente o que iremos encontrar nesses contos – e retalhos – divididos em três partes: Telefonemas, Detetives e Vida de Anne Moore.

A vida em Buenos Aires, consolei-me, tinha que ser rápida, explosiva, sem tempo para nada, apenas para respirar e piscar.

Como sempre a doença e principal motivação dos escritores/críticos/leitores, concebidos por Bolaño, é a literatura. “Sensini”, conto que abre o capítulo Telefonemas, vemos um aspirante a escritor (que já é bem crítico) escrever cartas ao autor argentino Luis Antonio Sensini, um escritor que vive às sombras de grandes nomes da sua época e que participa eventualmente de concursos literários. Os dois usam a literatura como porta de abertura para tornarem-se ótimos amigos. Sensini confessa medos em cartas extensas, admiração, fala sobre novos concursos, etc. Através da escrita a relação estreita. Escrita e leitura – a literatura é a praga que sobrevoa a vida dos personagens de Bolaño“Henri Simon Leprince” é a biografia de um escritor narrada em forma de deboche – irônica – e com um final melancólico. “William Burns” é um conto tão carregado de tristeza e pessimismo que embrulha o estômago ilustrando bem os intrigantes desfechados de Bolaño.

O autor consegue transformar momentos tristes em momentos fantásticos – desviando a atenção do leitor sem nunca perdê-la – e encerrando cada conto de forma surpreendente, seja com uma frase pontual, seja de supetão. O narrador de Bolaño, em primeira ou terceira pessoa, não controla o que está contando, ele faz parte desse mundo construído em palavras e obsessões. Como um amigo, sentado numa mesa de bar contando a história, voltando atrás, recontando um fato e criando apego em detalhes que de início soam descartáveis e que no desenvolvimento – ou até mesmo no fim – da história ganham sua importância.

Alguns dos contos que terminam de forma abrupta nunca deixam o leitor descontente e, sim, intrigado ou extasiado. No caso de “Llamadas Telefónicas” – o conto – que tem os personagens B e X, o leitor, ao final da leitura, ficará com a sensação de que há muito o que contar sobre esses envolventes personagens. E na verdade há, B. – que ainda protagoniza “Una Aventura Literaria” – é Arturo Belano velho conhecido dos leitores de “Os detetives selvagens”. Outro caso de esses personagens tem muito a dizer está em “Otro Cuento Ruso”, onde Amalfitano (personagem de “2666″) é apenas mencionado. “El Gusano”, nos mostra a violência de Santa Teresa (cidade onde ocorrem assassinatos no livro “2666″) e também nos mostra o avô de Arturo Belano.

O que importa nesse livro é todas as ligações possíveis que posso fazer com o resto da obra de Bolaño? Sim e não. A paixão pela literatura, os crimes que cometem, as prisões que conhecem, as mulheres errantes, vidas distantes e interligadas uma com a outra. Relações que levam a todo lugar e a lugar nenhum, costurando a existência dessas personagens tão fortes e adoráveis a sua maneira. Todavia, por mais adoráveis que sejam ainda são vítimas da voz sarcástica, cínica e zombadora de Bolaño.

Na terceira parte, A Vida de Anne Moore, vemos o apreço do escritor em descrever mulheres, como amantes, como mães, como prisioneiras e como amigas. Dividida em quatro histórias de mulheres (Sofia, Clara, Joana Silvestrini e Anne Moore) em lugares e épocas distintas. Indico principalmente A Vida de Anne Moore que soa real e um pouco jornalístico, um retrato banal da realidade e ao mesmo tempo fantástico.

“Llamadas Telefónicas” ouriça-nos a cada frase marcante – “O mundo da literatura é terrível, além de ridículo” – e os amantes da literatura, os detetives da obra de Roberto Bolaño, não se decepcionam: apesar da literatura não salvar suas vidas a consomem como se ela pudesse alimentar essa esperança.

BOLAÑO, Roberto. Llamadas Telefónicas. Editora Anagrama. 210 Págs.