Dejá vú é quando seu cérebro capta uma informação ou imagem que acha extremamente importante e a joga para uma parte da memória que provavelmente não será apagada, dessa forma muita vezes sentimos a sensação de termos vivido aquilo, mas nossos neurônios e sinapses foram mais rápidos que nossa percepção. No primeiro dia na NYFA, lá na Union Square, eu tive uma sensação de dejá vú muito mais bizarra do que poderia imaginar. Todos os estudantes estrangeiros precisam se registrar, levar documentos e conhecer o departamento de estrangeiros coordenado pelo senhor James West (sim, eu dei uma leve risada quando ele se apresentou). Após esse processo burocrático, todos, estrangeiros e conterrâneos, se dirigem a sala de projeção para um papo amigável com os professores do curso e, enquanto esperam que a sala esteja cheia, participam de um “Qual é a música?” de trilhas sonoras (acertei Jurassic Park e Halloween). O discurso é de muita felicidade, de como a escola é importante por causa dos alunos, professores legais, etc, etc. Quando tudo parece fadado a um inflado discurso sobre a escola, eles pedem para cada pessoa se apresentar e contar o que já fez.

Desse momento em diante eu notei que estava dentro de uma sitcom e não tinha como escapar. Cada um vinha de uma parte dos EUA, carregando seus sotaques típicos, trejeitos bizarros e falavam exatamente como personagens dos enlatados americanos. Um dos exemplos mais fortes é Frank, um ex-produtor de tecno, que mudou do Texas para New York, tem um filho de três anos e tenta ganhar a vida honestamente (essas foram palavras dele, traduzidas por moi). Frank tem aquele jeito texano de falar sobre mulheres, sobre brigas e a única coisa que não gosta do seu estado é a música country. O que mais me surpreendeu é ele ser aquele caricato jovem-adulto que adora soltar frases como “Ohhh” ou “Cooooool” quando vê algo que o encanta (às vezes é uma câmera, outras vezes é um desenho na lousa). Há também os estrangeiros que constroem esse universo de sitcom com primor: o sul-africano com cara de psicopata, o húngaro simpático que parece querer deitar com qualquer mulher que passa em sua frente, o cara do Queens que fala como um negro e, é claro, o indiano simpático e exótico.

O nome dele é Shagun (fã assumido de Jim Carrey) e realmente é muito simpático e faz sucesso com todo mundo graças ao seu sotaque e seu lado positivo de ver a vida. Graças a ele eu solucionei um mistério que palpitava na minha mente: se Hollywood é um antro de judeus que controlam a indústria e a NYFA é considerada uma das melhores escolas, onde eles estão? Os seguidores de Spielberg? Ou os detratores de Ben Stiller? Graças ao foreign dude, comecei a conversar com Patricia, uma judia venezuelana que mora em Israel. Depois dela, ainda teve a belíssima instrutora russo-israelita Orah, uma ruiva tão simpática e bonita que era eu capaz de me circuncidar naquele momento só para casar com ela, pena que já é casada e tem dois filhos aos 27 anos.

Fiquei mais aliviado por saber que havia um judeu, mas não menos preocupado em descobrir qual seria o meu papel nessa sitcom bizarra sobre estudantes de cinema numa New York cheia de oportunidades. Eu poderia ser o principal, e o seriado chamar Felippe’s Modern Life ou 8 Simple Rule To Survive New York ou um trocadilho qualquer sobre ser estrangeiro por aqui. A minha descoberta veio à tona durante um começo de noite onde Shagun, Patricia e eu esperávamos outro judeu, Daniel, para assistir The Ides of March (se não me engano, esse título é tirado de uma das primeiras partes de Julio César de Shakespeare) o novo filme dirigido por George Clooney – muito bom por sinal, só esperava um pouco mais de tensão no final e Ryan Gosling está incrível, sem contar que o personagem de Clooney é tão caricatural com seus discursos inflados e sua “redenção” final –, confiram quando puderem. Estávamos nessa chocolateria chamada Max Brenner (já deu para sacar que os judeus são os principais do seriado?) quando Patricia perguntou a nós se poderia pedir ou não amendoim no chocolate, afinal as pessoas tem alergia. Achei um absurdo aquela observação, “This too american”, emendei, ela espantada começou a dar risada junto de Shagun. Sim, eu sou o fonzie do seriado, exatamente o cara que fala as coisas inapropriadas na hora errada.

Aceitando esse meu fardo, ainda teria muita coisa para fazer nas noites de New York. Assisti a derrota merecida dos Yankees para o Detroit em um bar cheio de torcedores se lamentando. Ou reencontrar um lugar que adorei da última vez que estive aqui: Corner Bistro, um pub localizado no Village, cujo dono é um irlandês que adora ficar com o pano de prato no ombro, secando copos e contratando mexicanos para trabalharem lá. Também conheci uma livraria chamada Strand, onde os livros são todos amontoados como se num gigante sebo ou casa de um bibliófilo. Encontrei diversas raridades, mas me segurei para não carregar tanto peso antes de ir embora. Contudo, como um bom fonzie ao encontrar a amiga de uma amiga que está em missão pela ONU, aceitei o convite de ir a um bar encontrar uns amigos dela. Nome do bar? Gym. Bairro? Chelsea. Ou seja, me meti num bar gay onde os frequentadores adoram um barbudo e onde você conhece um japonês que tem família no Brasil, fala um português arrastado e adora citar o namorado negro, alto e forte (fazendo caras e bocas proibidas para menores). O bom dessa noite foi conseguir assistir ao show de Aziza (a explicação por mudar o nome de Linda para Aziza é fantástico: porque dá para ler de trás pra frente) no Blue Note, um bar de jazz acolhedor no Village, e encerrar o sábado muito bem!