Conhecia Luis Fernando Verissimo através de suas crônicas, gostava muito de umas e considerava outras apenas boas sacadas, mas nada que fosse mudar meu mundo. Uma das minhas favoritas, Dalva e Moacir, adaptei para um projeto acadêmico que, inclusive, foi exibido um ano depois no Rio num evento chamado CineAdapt. Segundo o autor, Os Espiões, lançado pela Alfaguara, é seu primeiro romance de verdade, os outros eram encomendados pelas editoras.

Narrado em primeira pessoa, acompanhamos um editor, fã de John le Carré, que já não acredita mais na literatura e virou um alcóolatra-com-síndrome-de-segunda-feira que tem como melhor amigo Dubin, professor de cursinho que adora ter casos com suas alunas e dando preferência para a falta de inteligência, e seu cachorro Black, único membro da sua família que ainda o espera ansioso. Ele trabalha na editora de um antigo amigo que não liga para literatura, apenas para o dinheiro que obtém com as vendas de um livro, único publicado por eles, de astrologia, cujo autor ameaça processá-los por não pagarem sua parte, e com revistas sobre adubo.

Enfurecido em todas as segundas-feira, o editor responde os pretensos escritores com cartas de humilhação até o dia em que recebe um envelope com algumas páginas de um manuscrito assinado por uma certa Ariadne. A promissora escritora promete contar toda sua história que envolve uma história de amor incestuosa, um casamento difícil e um suicídio. É então que o editor começa a criar uma teia fantasiosa e heróica, onde ele deve salvar a autora numa mistura de mitologia grega e dos melhores romances de seu autor favorito. Essa fantasia lhe dá uma sobrevida, uma razão para se concentrar em algo que valha a pena e que o faça retomar sua vontade de ser editor, de ser herói e de voltar a amar (mesmo que em sonho).

Agora ele frequenta o bar do Espanhol, não para beber, mas para discutir a verossimilhança da história escrita por Ariadne – que após algumas investigações soa como uma autobiografia e uma carta de socorro – com seus amigos e inimigos de bebedeira. O fio condutor para a investigação dos boêmios é ótimo, quando tudo se trata de algo fora da realidade: será que a cidade existe mesmo? Será que tudo isso aconteceu? É possível existir pessoas tão manipuladoras e tão submissas e tão cegas? Toda essa trama, enquanto parte de algo feérico vale a pena acompanhar. Todavia, o que ganha proporções minimamente interessantes desanda em uma investigação inocente – para não dizer boba.

O humor não é certeiro ou bom o suficiente, grande parte se baseia na obsessão e nos devaneios do editor com a autora que não conhece – nem sabe ao certo se existe – e as pistas que vai juntando em sua mente tentando antecipar a história. Ao convocar afetos e desafetos para compor seu time de espiões, Verissimo cria uma rede de fofocas que chega até a pequena cidade onde a suposta autora vive, mas começa a perder o foco de seus personagens. Por se tratar de um romance curto, muitas vezes vemos os personagens sumirem e aparecerem – um dos mais interessantes, o Professor, desaparece e retorna em momentos que não deveria – quebrando o suspense-cômico bem quando ele começa a empolgar. Esse anti-clímax acaba forçando a barra como, se o autor quisesse acelerar a conclusão depois de pistas e pistas jogadas durante todo o livro.

Quando mantém todo o mistério focado em fantasias e em hipóteses longe da cidade de Frondosa – onde supostamente vive a autora – Os Espiões consegue segurar o leitor, mas ao tirar tudo do mundo da fantasia, a cidade perde seu encanto para quem lê e aparentemente cresce para os personagens gerando um desconforto até fazer com que o leitor se acostume com a ideia, ou seja, a transição entre o que é fantasia e realidade é abrupta.

Os Espiões é um passatempo pouco interessante, todo seu esforço em ser irônico e engraçado ofusca o mistério da trama e muitas vezes faz o leitor perder o interesse – e quando chega ao final nota a falta de equilíbrio entre humor e mistério. Verissimo não se mostra no controle total do enredo. É um dos poucos livros que mexem com clichês do gênero policial para criar humor que não conseguem obter um êxito, no mínimo, razoável.