Em 1995, Sergio Faraco anunciou que abandonaria a literatura. No mesmo ano, como uma despedida aos seus leitores, foi lançada a primeira edição de Contos Completos, marcando o fim de sua carreira e registrando o apanhado de suas obras nesse campo da literatura. No entanto, em 2000, o autor publicou Rondas de escárnio e loucura, com 7 contos inéditos. Como resultado disso, Contos Completos acabou por ganhar uma terceira edição, publicada pela L&PM, incluindo as publicações feitas nesses 15 anos desde sua primeira edição e mais 4 contos inéditos.

O livro é dividido em três partes e obedece a uma organização de temáticas: Na primeira, temos as narrativas relacionadas ao universo da região fronteiriça. Nesses contos, percebemos sotaques e expressões carregadas, bem como os sentimentos e problemas do povo que habita a região em que o tempo se arrasta e a pobreza é comum.  Já na segunda parte, encontramos os contos relacionados ao mundo das crianças e adolescentes. Nas narrativas, passamos por suas descobertas, sentimento de solidão e passagem para a vida adulta através da sexualidade ou situações que exigem maturidade e experiências interiores. A terceira parte se dedica ao homem na cidade urbanizada, com seu sentimento de estar perdido, vítima da próprio ambiente que construiu.

Falando mais especificamente de cada uma das três divisões do livro, posso dizer que a primeira é a de mais difícil leitura, justamente pela grande quantidade de termos regionais. No início, a sensação de falta de total entendimento diante daquilo que está sendo lido pode incomodar, mas, no decorrer das páginas, as narrativas ganham certa fluidez e logo os próprios termos usados passam a compôr o universo que nos é narrado. Muito longe de ser regional, os dramas narrados mostram muito mais uma questão social do que regionalista.

Já os contos da segunda parte, pessoalmente a minha favorita, tratam do universo infantil e adolescente. Destaco, nessa parte, dois contos: Outro brinde para Alice, que narra a doença de uma criança e como os parentes se comportam na espera de uma cura, levando-a para capital: “Prometer Porto Alegre para um doente era o mesmo que lhe dar extrema-unção. Prometia-se o milagre mas nem sempre a medicina da capital tinha algum no estoque”. Já o conto Sermão da Montanha, que narra a história do menino Babá, vivendo nas ruas e caçando um frango. Ambas as narrativas mostram que as descobertas dessa fase, na visão de Faraco, vão além das sexuais, recorrentemente tratadas nos contos dessa parte.

Na terceira parte, os contos revelam a metrópole como o local-chave para desencadear diversos sentimentos nos personagens. Aqui, paira a dúvida, existencialismo e, principalmente, a solidão do indivíduo. As narrativas dessa parte tratam da vida adulta e de um mundo mais modernizado, muito embora a tecnologia não seja, necessariamente, foco das histórias.

Com tudo isso, essa edição de Contos Completos mostra a qualidade da obra de Faraco, um autor que encontra no mundo real todos os elementos para construção de suas narrativas. Cada uma dessas histórias tem essa realidade embutida: Os personagens, apesar de ficcionais, poderiam ter existido ou existir em qualquer lugar, assim como seus sentimentos e situações. A sensibilidade e força que eles ganham são capazes de conquistar o leitor mesmo em narrativas de três ou quatro páginas. Aliás, é esse o verdadeiro poder de um conto: Uma narrativa breve, porém, que contém tudo aquilo necessário para cativar. Além disso, vale notar como Faraco constrói narrativas que dependem muito do ambiente em que cada personagem está colocado. São as suas relações com o universo exterior que habitam que desencadeiam seus sentimentos.

Título: Contos Completos

Autor: Sergio Faraco

Páginas: 350

Preço: R$58,00

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